quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Crônica do Primeiro Feijão

O texto abaixo foi enviado por e-mail há um bom tempo atrás, quando cozinhar por conta própria ainda representava um grande desafio para mim. O contexto é absolutamente verídico e realmente aconteceu na exata data especificada da história. Foi um dia pra lá de feliz na minha vida...

"Meus queridos amigos,

É com muita alegria que lhes escrevo este e-mail. E tamanha é ela que não me resta fazer mais nada além de dividi-la com vocês, que sempre me acompanharam, de perto ou à distância, em cada uma das minha aventuras, empreitadas e dificuldades.

Hoje, sexta-feira, 1 de setembro de 2006, precisamente às 14:57hs, será um dia determinado como um marco em minha ainda breve, porém tão rica, existência. Hoje é o dia em que deixo aqui registrada mais uma vitória.

Depois de muito esforço, após buscar por inúmeras alternativas, muitas vezes tendo que recorrer à caridade e habilidade de outras pessoas, pela primeira vez conquistei um feito que há muito almejava conquistar.

Foi preciso muita dedicação, perserverança e até mesmo teimosia para alcançar essa vitória. Confesso que, em alguns momentos, pensei em desistir, deixar para lá, contentar-me com essa limitação, aceitar o inevitável destino e simplesmente seguir em frente aceitando o fato de que jamais chegaria e viver este único e singular instante.

Mas, apesar das inúmeras desilusões e tentativas frustradas, meu prêmio foi concedido e minha própria capacidade excedida.

Hoje, sexta-feira, 1 de setembro de 2006, precisamente às 14:47hs, munido apenas de determinação, uma cebola inteira, três dentes-de-alho, duas calabresas cortadas em rodelas, três folhas de louro, duas chícaras de feijão Fantástico, cinco chícaras e meia de água, uma panela de pressão, uma colher-de-pau e uma concha, cozinhei o que posso considerar, definitivamente, o melhor feijão que já comi em toda minha vida.

Totalmente preparado por mim, passo-a-passo... Carinhosamente cozido e acompanhado a cada minuto. Inteiramente comprado com meu batalhado dinheiro. Um feijão concebido pela pureza da disciplina e esforço. Pela simplicidade de um amor que apenas é e não se questiona. Pela beleza de uma honestidade ímpia e intocada. Um feijão completamente brasileiro, absoluto em sua razão de existir, inquestionável em sua autenticidade e sabor.

Pois é, meus amigos. Chega certo ponto na vida de um homem em que não existem mais perguntas, os questionamentos tornam-se apenas lembranças e seu caminho torna-se claro e certo. Ele simplesmente é o que é, homem, na sua plenitude e totalidade, descobrindo gigantescos feitos a cada pequena e nova conquista.

Dizem por aí que a vingança é um prato que se come frio. Eu digo, que se dane a vingança! A vitória também é um prato, com muito feijão e calabresa no fundo, acompanhados de arroz branco e bastante, bastante tabasco.

Agora com licença que eu preciso sair por aí e caminhar sobre as águas do mar...

Um grande abraço a todos! Quando quiserem comer um excelente prato de arroz com feijão, já sabem a quem procurar."

Guilherme Johnston

sábado, 11 de setembro de 2010

Última visita

Meus pés doem... Mesmo usando sapatos, posso sentir cada pedrinha solta na velha estrada de terra, que outrora não era nada mais do que isso, uma velha e inofensiva estrada. Sinto pequenas pontadas na sola, subindo pelo tornozelo, chegando até a coluna, cada um delas lembrando-me do número de anos que já vivi. É difícil manter o corpo firme, por mais que o apoio do caniço me ajude a seguir em frente. Paro por alguns instantes, apóio a mão esquerda num muro próximo...

Não me lembro deste caminho ser tão longo.

Pensando bem, nunca imaginei que no futuro todas as distâncias seriam exatamente assim, tão distantes...

Depois de tomar fôlego continuo minha caminhada. À direita vejo um portão feito de metal, já bem velho e enferrujado. Lembro-me de uns três cães que viviam encostados do lado de dentro dele. Toda vez que passava por aqui era saudado com um coro de latidos. Hoje só o silêncio me abana um rabo que não consigo ver. As janelas e porta da casa estão fechadas, portanto de nada adianta bater palmas. Não há ninguém para visitar, botar o papo em dia, contar novidades que não aconteceram. Aliás, nada de novo tem acontecido mesmo. Exceto essa dor nas costas que insiste em dar seu alô, toda vez que me meto a singrar rumos que certamente não seriam recomendados pelo médico...

Mais adiante, o que antes seria um suave aclive, me desafia ironicamente, como se fosse uma imponente colina ou morro. Forço um sorriso e digo a mim mesmo que vai ser sopa dar os próximos passos. Claro, a coisa não vai ser tão fácil assim... Meu corpo mudou tanto com o passar do tempo que nem sei dizer se estou acima ou abaixo do peso. Não que isso faça diferença já que, não importa qual seja o caso, pernas e ombros se cansam até quando visto roupas mais quentes durante o inverno. E tem feito frio nesse ano. Muito. Essa é a razão para essas penosas e pesadas calças que estou vestindo agora.

Ofegante, mas sem perder o orgulho, vejo logo ali, à esquerda, a rua que procuro.

É uma viela pequena, não dá pra passar nem um carro, apenas pessoas a pé ou de bicicleta. E pela altura do mato percebo que ninguém a percorreu pelos últimos anos, no mínimo. Quando era jovem gostava de andar por ela de braços abertos, tocando os dois muros que a delimitam com as pontas dos dedos, sentindo cada saliência do cimento completamente infestado de ervas daninhas, que de algum modo encontravam um meio de escalar por suas frestas. Lembro-me que de tempos em tempos alguém – não sei quem – limpava os dois lados, só de teimosia talvez, lutando contra uma força natural sempre a ser barrada, mas que jamais cessava de avançar. Aliás, que nunca cessou. Quando a alcanço, noto que as plantas ocultaram completamente qualquer sinal de tijolo, massa corrida ou ferragem... Como um cobertor verde que aumentou mais e mais após milhares de alvoreceres e noites estreladas.

Dando passos curtos, sigo cautelosamente para não tropeçar em nenhum galho ou raiz. Com a ponta do caniço, busco algum buraco sem senso moral, ou misericórdia, pronto para me causar uma torção. Depois de certo ponto na vida nunca se é prevenido demais. O Sol brilha, mas as copas das árvores bloqueiam uma luz que hoje em dia tem utilidade vital para mim, já que meus olhos não funcionam como antigamente e insistem em embaçar todos os destinos que meu nariz aponta.

Ao fim da viela há um terreno. Quatro casas foram construídas nele, por uma família que não me pôs nesse mundo, mas bem que eu gostaria ter sido desse jeito. A maior delas, no centro da propriedade, tem dois andares e é de uma imponência encantadora.

Mesmo assim, as três à sua volta não são menos graciosas por serem menores. Cada uma tem sua característica própria, cada uma possui seu charme... Como possuíam as pessoas que as habitaram um dia, num passado longínquo e saudoso. Vejo paredes que eram de um branco límpido, agora desbotado pela chuva, sol, poeira, vento e outras inclemências de um tempo que insiste em não parar. Nem todas as portas estão no lugar. Algumas cederam sozinhas, outras, pelo estado das dobradiças, parecem ter sido arrancadas à força. Alguns vidros quebrados aqui e ali. Provavelmente frutos duma invasão que jamais foi notada. Gente que não tinha para onde ir e veio para onde não deveria ter vindo, mas isso não importa. O lugar todo está vazio.

Dou a volta pela casa grande, até chegar à que mais me interessa. É por ela que estou aqui. Em pé, e me esforçando para manter-me assim, observo a imponência do xadrez no mármore da varanda, tão elegante e ao mesmo tempo simples, como o homem que o assentou há incontáveis anos atrás. O banco de madeira, no qual arrisquei acordes e novas teorias por tantas vezes, ainda me parece um convite a uma tarde de risadas e novas amizades. Porém os velhos amigos já partiram. E meus pulmões não permitem que eu fale o suficiente para encantar novos ouvidos...

A porta da frente está entreaberta. De fora percebo que alguns raios de luz invadem timidamente o interior da casa, o que me dá a impressão de dar-lhe um pouco de vida... Porém decido não entrar. A vida em si não acontece mais ali. Restou apenas esse registro arquitetônico, uma morada onde não mora mais ninguém. Uma casa que não é casa, nem abrigo ou refúgio. O que percebo é apenas uma estrutura esquadrinhada e aprumada, que guarda dentro de si um muitas histórias. E subitamente me sinto feliz por ter participado de um bocado delas...

Dou alguns passos e sento-me calmamente no velho banco, sem pressa, apoiado contra a parede. Tento me recordar de quantas vezes vivi essa cena. Ali, admirando a vista para o jardim, repleto de bananeiras, bromélias, flores e pés de acerola... Lembro-me de muitas vozes, cada uma com seu timbre, rindo ou chorando comigo, fazendo perguntas e revelando mistérios. Às vezes simplesmente contando uma fofoca ou piada, sei lá... Já me peguei tantas vezes bêbado aqui, noutras somente derramei lágrimas ou disse coisas pesarosas. E numas tantas apenas me diverti até acreditar, piamente, que a vida sempre foi apenas isso, uma bela e interminável farra.

E talvez ela tenha sido isso mesmo, no fim das contas...

Uma joaninha pousa em meu joelho, me distraindo. Eu a deixo ali, por alguns segundos, depois a espanto. Sempre gostei da natureza, mas, tenho que admitir, insetos me incomodam. Quando ergo a cabeça novamente sinto minha vista mais turva do que de costume. Não consigo discernir bem as linhas entre o colorido da mata e o quintal da casa. Um zumbido estranho começa a aumentar em meus ouvidos... Ergo minhas mãos e vejo apenas dois vultos. Tenho algumas marcas no polegar direito, conseqüentes de uma alergia que nunca me matou, mas incomodou à beça por muito tempo. Tento visualizá-las sem sucesso.

Sinto uma pontada na coluna. Não, na coluna não, pelas costas todas... Minha garganta fica seca. Tudo bem, um simples gole de cerveja resolve isso. Talvez até fume um cigarro. Vou fazer isso assim que chegar a minha casa. Que, aliás, fica onde mesmo?

Engraçado como as coisas são. Você passa toda sua breve – ou longa? – existência levando o dia-a-dia com a maior naturalidade e, de repente, respirar torna-se uma peripécia. Não que isso seja um obstáculo agora, pois nem que eu queira vou conseguir me levantar daqui.

Sabendo disso, olho para o lado e digo a seu Tonico “olá”, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Ele parece tão calmo. E sempre é bom vê-lo com esse sorriso sincero estampado no rosto, tão característico dele... Como de costume, pergunto sobre as pescarias, se o mar vai virar ou que esperar do clima durante o fim-de-semana. E recebo todas as respostas com uma calma paternal que só poderia ser vista em alguém como seu Tonico, invariavelmente atencioso e educado.

“Os meninos me pediram para vir te buscar. Estão todos no bar, jogando sinuca e carteado. O Nelson separou uma cerveja especialmente para você e o espera na mesa perto do orelhão. Disse que essa é só de vocês dois, pra comemorar... Melhor não demorarmos muito”, me disse sem pressa alguma.
“Claro, claro... A propósito, a dona Ana está bem?” perguntei com genuína preocupação e zelo.
“Sim, muito bem, obrigado por perguntar. Ela e o Daniel foram buscar algumas coisas para o almoço de hoje. Vai sair um pouco fora de hora, obviamente, mas vocês jovens estão acostumados a almoçar mais tarde não?”
“É verdade, é verdade... Qualquer horário está bom para mim, nunca tive muito apetite mesmo. Já comentei com o senhor que era gordo quando criança? Pois é, fui sim. Depois emagreci quando tinha catorze anos. Nunca mais fui de comer muito não... Enfim, o Daniel também está aqui? Ele desceu para Ubatuba?”
“Sim, ele está aqui. Aliás, estamos todos aqui. Todos mesmo rapaz. Você vai ficar surpreso com a quantidade de amigos que se reuniu lá no bar hoje. Olha, vai ser uma festança...”
“Que ótimo não? É difícil conseguir juntar todos no mesmo lugar com frequência. Já faz muito tempo desde a última vez que vi qualquer um deles. Bom, melhor irmos então. Por favor, depois do senhor...”

Levantamos os dois ao mesmo tempo. Ajeito minha bermuda e deixo a luz do Sol aquecer meu peito nu. Sinto as solas firmes no chão e encolho meus dedos dos pés, sujando-os de terra propositalmente. Sempre gostei de andar por aí assim, sem camiseta e descalço. Ainda bem que é verão... Caminhamos lado a lado, para longe da varanda.

Vou tão animado para minha festa que nem percebo o senhor que deixamos para trás, de cabeça baixa, inerte, fragilmente equilibrado no banco onde contei e ouvi tantas histórias.

Paro por um instante, e me viro em sua direção. Contemplo-o por um breve momento, sentindo-me agradecido, sem entender ao certo por que.

Depois volto a seguir seu Tonico. Eu é que não vou deixar meus amigos esperando...

Guilherme Johnston

Contos de uma vida...

Gentilmente, o pequeno bote deslizava sobre a superfície da água, e o único som que se podia ouvir era o da proa, encontrando-se com a ondulação vinda das margens. Envolta em uma túnica preta, uma mulher e dois pequenos homens, de pele escura, aguardavam no meio da bruma, pacientemente. Não era possível enxergar nada muito além dos limites da embarcação e os únicos sinais de que aquele lugar ainda fazia parte do mundo, de alguma maneira, eram os sons distantes de pássaros que habitavam as florestas das redondezas. Ocasionalmente alguns deles passavam tão perto do barco que, mesmo sem serem vistos, podiam ser pressentidos, como se somente suas essências e não seus corpos existissem. “É assim que eles são. Eternos em sua energia e temporários em seus frágeis organismos”, pensou a moça.

E nesse mesmo instante, de algum lugar distante na neblina, o relincho de um cavalo se aproximando desviou a atenção dos tripulantes em direção às margens.

Embora não pudesse vê-lo, ela sabia que ele estava lá, olhando para o Lago, sem conseguir enxergar através da densa névoa que pairava sobre as silenciosas águas. E sabia que ele, assim como ela, não precisava enxergar além da curva dos seus próprios olhos para perceber a presença da pequena embarcação...

Os dois homens não fizeram nenhum som ou movimento, agindo como simples coadjuvantes, sem interferir no ato que viria a seguir. Aos poucos, a moça se levantou e seguiu em direção a proa do bote.

Seus passos tocavam o convés de madeira tão suavemente que o barco nem sequer agitou a água ao redor. Completamente imóvel, ela olhou em direção ao local onde ouvira pela última vez o som do cavalo e, ritualmente, levantou ambos os braços acima de sua cabeça, entoando o encantamento que dissipava a densa bruma e abria caminho para terra firme. Ela pôde sentir a energia tomando seu corpo, percorrendo-o até concentrar-se em suas mãos. Por alguns segundos era como se pudesse sentir a névoa sólida nelas, como as pontas de uma cortina. Abaixando-as paralelamente partiu ao meio a parede de neblina à sua frente, abrindo caminho para que a luz do Sol se tornasse presente mais uma vez, tornando a margem, e o rapaz que lá os esperava, visíveis.

Por um momento, tudo que se movia em volta de ambos parou. Nenhum som de natureza alguma ousou se manifestar no mesmo instante em que seus olhos se encontraram. Os próprios homens que observavam tudo da popa do barco pareciam não mais estarem lá. Nesse espaço aberto entre os mundos, somente a existência de ambos era real. E embora não pudessem se tocar, sua proximidade era tanta que não saberiam dizer onde um terminava e o outro começava. Fragmentos de memórias se misturavam em sua volta. Todas elas tão antigas quanto o próprio chão que pisaram juntos um dia. Dentro de si, ele podia ouvi-la falar sem sequer mover os lábios.

E sentia seu sofrimento...

“Longa é nossa espera e pouco é o tempo que nos resta até que nossos mundos se separem completamente. Eu o vejo em meus pensamentos de tempos em tempos, e sei que também existo nos seus. Nunca houve um dia sequer em que não tenha tentado descobrir a razão de nossa distância e parece-me que, quanto mais procuro a resposta para essa questão, mais longe me encontro dela. Tudo o que sou e faço me foi dado levar adiante com dignidade e sinceridade. A filha, a irmã, a mulher e a esposa, que existem em mim, habitam em harmonia dentro deste corpo. A felicidade que vivo nesta vida provém de todas essas facetas e em todas elas atuei com amor e dedicação. Todavia não me foi concedido resolver esta questão e confesso que, por não saber o motivo disso, nunca estive totalmente em paz.”

O silêncio de ambos durou alguns momentos. E o vento, que até então havia permanecido como mero espectador nesse encontro, se manifestou, agitando as árvores e águas, levando consigo a resposta do rapaz, ainda imóvel na margem do lago, até a moça de cabelos escuros e olhos claros como a Lua.

“A verdade em seu lamento está presente naquilo que dá forma ao meu coração. Assim como você, eu também procurei tal resposta incansávelmente. Até descobrir que esta não existe em lugar nenhum e em todos os lugares ao mesmo tempo. E que, para encontrá-la, é preciso primeiro parar de procurar. Muitos foram os caminhos que percorri e, em igual quantidade, os papéis que desempenhei. A mim também foi dado o privilégio de conhecer o amor, a alegria e a plenitude de se viver uma vida provida de bondade e satisfação. Porém, apesar da importância de todos esses sentimentos, a verdadeira sabedoria e tranqüilidade eu encontrei nos sofrimentos e obstáculos colocados diante de mim. E, de todos esses, nenhum foi tão difícil de superar quanto essa distância que existiu, e existe, entre nós.”

Imperceptivelmente, ela assentiu com a cabeça. Notou uma lágrima escorrendo em seu rosto, desprendendo-se pele e caindo na água. O impacto criou uma leve oscilação na superfície, criando pequenos círculos que cresciam até desaparecer novamente na imensidão. E após essa breve pausa, as palavras dele prosseguiram suaves como a brisa da manhã e envolventes como um abraço...

“Aquilo que um dia nos uniu e separou, o faz de acordo com a Sua vontade. Está além do próprio amor ou justiça, e não precisa de razão nenhuma para explicar Seus atos. A Sua existência está além do espaço que há entre as pessoas e os mundos, pois tudo está presente Nisto e Isto está presente em tudo. Nossa própria vida faz parte Deste elemento e Ele está presente a cada segundo dela. Deus ou Deusa, homem ou mulher, ser ou não-ser, essa força um dia nos deu o privilégio de saber isto. Que antes mesmo de nosso primeiro choro já havíamos nos encontrado. Muito antes de nossas primeiras palavras, já sabíamos pronunciar nosso amor um ao outro. E que até mesmo antes de nos tocarmos, nossos corpos já se conheciam. Talvez, e a cada dia acredito mais nisso, nosso encontro nessa vida tenha sido somente mais um passo no que agora existe para cada um de nós. Mesmo que este tenha sido o último e o acaso nos separe definitivamente, força nenhuma no Universo terá força suficiente para apagar um dia foi. O molde de nossa existência não se encontra nem no presente e nem futuro, mas sim a um insignificante instante, um sopro de distância, no passado. Estando ou não em mundos separados, nada vai mudar o fato de que um dia caminhamos lado a lado, e a memória disso sempre estará presente, para que nunca esqueçamos o que realmente significa amar alguém. A simplicidade dessa verdade, ou a resposta se preferir, reside no fato de que realmente está além do nosso controle mudá-la e, portanto, não nos cabe achar uma razão para a mesma.”

Algo dentro dela sabia que essas palavras não vinham só dele, mas também do próprio tempo que existe para tudo e todos, sussurradas no próprio ar que respiramos, há incontáveis milênios, por algo que nunca nos será dado ver antes do momento certo. “E se esta é a última vez que nos encontramos” pensou ela “que a vida siga seu curso natural e nos leve ao encontro dessa tão merecida paz e felicidade. E há de chegar o dia em que nos encontraremos de novo, mesmo não reconhecendo um ao outro, em outra época, para relembrarmos por um breve instante que o amor vai e volta em nossos corações com a mesma intensidade, mas com contextos e personagens diferentes.”

A imagem dele ainda era a mesma de anos atrás. Parado à margem do Lago, ele ainda parecia o mesmo rapaz que um dia viveu ao seu lado, dividindo alegrias e tristezas. Afastar-se dele, na época, foi difícil, mas necessário. Já naquele tempo, ambos viviam em mundos diferentes e somente o acaso poderia ter unido pessoas tão divergentes. Ainda assim, algo nele sempre a fez suspirar de contentamento e carinho. E seja lá o que fosse já não importava mais saber o que era. O que decidiu separá-los ainda não havia mudado de idéia, e era necessário dizer um último adeus antes seguirem seus próprios caminhos.

Suas últimas palavras para ele foram “Você, a quem amei e reparti minha vida, estará presente no próprio sangue que corre em minhas veias durante toda a eternidade. Ambos fazemos parte de um ciclo que nunca pára de fluir e nos sujeita aos seus caprichos. Então fomos, somos e sempre seremos um só, amando-nos um ao outro ou não. Se isto está além do nosso controle, que assim seja. Esta é a última vez que nos encontramos antes de termos nossos mundos separados definitivamente pela neblina que existe entre eles. Sendo assim, que a última lembrança sua de mim seja isto...” e abaixou-se tocando a água do lago com o dedo.

Um redemoinho se formou timidamente entre os dois, aos poucos ganhando força, e de dentro dele um feixe de luz nasceu trazendo consigo as imagens de todos os momentos felizes que viveram juntos. Até que, por último, a lembrança dos seus rostos lado a lado se formou dentro d’água e, beijando-se, desapareceram na escuridão.

Em seus lábios, ela o pôde ver dizendo silenciosamente por uma última vez “Adeus, meu amor...”, lágrimas escorrendo pelo rosto sorridente que um dia tanto beijara. E as brumas mais uma vez se fecharam entre os dois, para nunca mais abrirem, até que a vida decidisse o contrário...

Guilherme Johnston

A mensagem nesse conto é a de que nada está sobre o nosso controle, Todos estamos sujeitos aos caprichos do acaso e nem sempre iremos encontrar tão cedo o que procuramos. O tempo dessa busca é algo que não pode ser medido, pois ela termina sempre no momento certo, nunca antes ou depois disso. Se ela leva horas, dias, semanas, anos, séculos ou milênios para chegar ao fim, não nos é dado saber quando e nem como. Mas a nós é dada a escolha de estar sempre buscando por algo mais, um sonho (seja ele qual for) ou um amor de verdade. Caminhem sempre na direção de seus medos, pois é neles que está o verdadeiro futuro. E, acima de tudo, sejam sinceros consigo mesmos...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Discurso de Formatura – 15/03/2007

No ano de 2007 me formei em Administração de Empresas. Foi o término de uma época muito boa em minha vida... O encerramento da realidade acadêmica. Pelo menos naquela hora. Certamente meu lado estudioso ainda busca por mais conhecimento... De qualquer modo, me pediram para escrever o discruso de formatura de nossa turma. E foi com grande prazer (e uma adiantada saudade) que o fiz. Estas são palavras que marcaram não somente a mim, mas todas as outras que partilharam comigo 4 anos muito preciosos de meu passado... O texto segue abaixo.

"Hoje é um dia especial. Podemos considerá-lo assim por várias razões. Algumas podem fazer toda diferença, outras talvez não. Para cada um de nós ele tem um significado distinto e, no entanto, todos nós o teremos como uma lembrança em comum...

Durante quatro anos, dividimos corredores e salas, idéias e teorias... Números, textos, preocupações e alegrias... Percorremos lado a lado esse caminho, mesmo almejando diferentes vidas e rumos... E vencemos cada etapa, às vezes acompanhados, às vezes sozinhos... Fosse numa prova difícil, ou então nos solitários e simples resumos...

Durante quatro anos, vivemos esse meio termo entre o saber e o não-saber... Foram muitos acertos e enganos. E hoje vejo, nas expressões de todos aqui, esse aprendizado carinhosamente cultivado, finalmente florescer...

Eu admito que seja complicado, agora, lembrar de conceitos e teoremas... Mas para o mistério da vida nunca estaremos preparados, não tem jeito, e sei que ela reserva para nós seus próprios segredos e dilemas...

Porém, não é isso que me importa no momento... Em meu coração, repleto de sentimento, ao mesmo tempo fecho e abro duas portas...

A que fica cerrada guarda em mim tudo que me é mais precioso nessa história: cada sorriso de vocês, cada risada... Delicados fragmentos de uma abençoada memória... E se levo comigo ao futuro muita paz e esperança, é porque posso sentir-me seguro, pois cada vez que o mundo ficar confuso e escuro, basta procurar auxílio na sua querida lembrança... E nessa hora, eu juro, é verdade, vou sorrir e morrer de saudade...

Já a porta que se abre, adiante, eu a compartilho com vocês, muito contente... Pois é nosso destino buscar o distante... E nesse navegar errante, apenas seguir em frente... É claro, encontraremos no amanhã a incerteza e muita, muita dificuldade... Mas não importa quão grande e infinita possa ser um dia, a tristeza... Haverá de existir sempre essa simples beleza, a alegria tão bonita, de saber que toda e qualquer direção aponta, inevitavelmente, para nossa felicidade...

E assim, com a alma meio aliviada, e meio sofrida eu confesso... É chegado o instante de sermos adeus e partida... Sem sequer saber se nalgum dia seremos regresso... Mas apesar dos olhos brilhando e do frio na barriga, digo-lhes, sempre acreditando e sonhando, que a melhor parte está só começando... E é hora de partir pra briga!

A todos deixo de recordação meus abraços, meu carinho... E mesmo que a vida jamais ate novamente nossos laços, seria muito bom, simplesmente reencontrá-los mais uma vez em meu caminho... Pois mesmo sem saber aonde nos levam nossos passos, pela recordação de vocês, jamais seguirei em frente verdadeiramente sozinho..."

Guilherme Johnston

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Saber amar...

Saber amar, arder...
Deixar a saudade doer sem sufocar
Para ir e vir, perder
E num leve sorrir finalmente encontrar
Sendo sempre um mesmo quando são dois
Pois já não importam o antes, o instante, o agora...
[Esse insuportável depois]
Existe sim é essa ausência querida
Que nos queima o peito e incendeia a vida
E quando anoiteço só me resta o sonhar
Com você aninhada em mim
Num eterno e abençoado chegar...

Guilherme Johnston

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Texto Institucional

Não apenas de crônicas e poesias vive um escritor. Aliás, dificilmente ele vive somente disso ao longo de sua vida... Por isso, abaixo segue um texto escrito profissionalmente, o qual foi anexado a uma Proposta Comercial recentemente. O nome do cliente está mantido em sigilo por questões de ética e sigilo empresarial...

Conhecimento de Causa - Cliente NONONONO

A Cliente NONONONO, empresa do NONONONO, vinculada à NONONONO, é o maior agente promotor de moradia popular no Brasil. Tem por finalidade executar programas habitacionais em todo o território do Estado, voltados para o atendimento exclusivo da população de baixa renda - atende famílias com renda na faixa de 1 a 10 salários mínimos.

A Empresa hoje conhecida como NONONONO foi fundada em 1949 e já teve vários nomes: NONONONO, NONONONO e NONONONO. Recebeu sua atual denominação em 1989.

A história da intervenção do Governo do Estado na habitação popular começou efetivamente em 1967, quando a CECAP - Companhia Estadual de Casas Populares - inicia a produção de habitações para a população de baixa renda. De lá para cá, foram comercializadas milhares de unidades habitacionais em quase todas cidades do Estado de São Paulo.

Desde que iniciou suas atividades, construiu e comercializou por volta 440 mil habitações, número que compõe cerca de 2.500 conjuntos habitacionais em 617 municípios (96%) de um total de 645 em todo o Estado (dados de 2008).

Nessas casas moram cerca de 2 milhões de pessoas, número superior à população da grande maioria dos municípios brasileiros.

Levando em consideração os fatores e aspectos mencionados anteriormente e, atribuindo a devida dimensão numérica deste cenário, torna-se evidente a complexa problemática, interpondo-se entre a gestão consciente e sustentável dos conjuntos habitacionais implantados pela NONONONO e a atual realidade, a qual se direciona em três escopos correlacionados: o impacto ambiental causado pela inserção do projeto no ecossistema circundante; a transição inadequada do modus vivendi comunitário para uma estrutura onde o comportamento coletivo é permeado por regras claras e consensuais, o que consequentemente acarreta na utilização desordenada do espaço físico dos conjuntos habitacionais, por parte dos próprios moradores; e, por fim, a carência de uma administração condominial organizada e eficaz.

Em primeira instância, impacto ambiental, por definição, é a alteração no ambiente ou em algum de seus componentes por determinada ação ou atividade. Esta pode ser positiva ou negativa, grande ou pequena e, ainda assim, independente de sua dimensão, o impacto sempre existirá.

Ou seja, é um desequilíbrio provocado pelo choque da relação do homem com o meio que o cerca. No caso da NONONONO, a grande questão está, primordialmente, interligada à necessidade de recuperar ou, ao menos, minimizar as transformações sofridas no entorno dos conjuntos habitacionais, tanto no que diz respeito ao âmbito ambiental, através da utilização de recursos e disposição de resíduos, quanto ao sócio-cultural, naquilo que é pertinente às mudanças no estilo de vida, estrutura urbana e habitacional das localidades onde os mesmos se encontram.

Entretanto, não cabe apenas manter o foco de ações corretivas ou preventivas naquilo que remete única e exclusivamente ao meio ambiente, tendo em vista que os empreendimentos da NONONONO são também implantados em locais que, muitas vezes, sofrem com o estigma proveniente de sua má reputação, especialmente aqueles onde a violência e o descaso social acentuam-se de forma mais gritante. Por isso não é incomum que a relação entre o conjunto habitacional e seu entorno seja ínfima ou inexistente, configurando-os em “ilhas” isoladas dentro das próprias comunidades. Como consequência, este fator gera animosidade por parte daqueles que vivem fora dos muros da NONONONO, pois enxergam com inveja os beneficiados – conceituando-os como privilegiados – pelo projeto de habitação, uma vez que estes evitam a comunicação com o meio extra-condomínio.

Atrelados, estes diferentes prismas de interpretação exercem influência direta sobre a qualidade de vida das pessoas, tanto aquelas que coexistem nas dependências dos próprios conjuntos habitacionais, quanto às que habitam seus arredores. A promulgação de uma postura sustentável em relação ao meio ambiente, embasada pelo incentivo à atitude civilmente consciente e responsável, garante, além da preservação, o senso de pertencimento e a perspectiva de prosperidade das próprias comunidades beneficiadas direta ou indiretamente pela NONONONO.
Num segundo momento, concomitantemente surge a necessidade de estimular, orientar e gerir o desenvolvimento social dos moradores que vivem nos conjuntos habitacionais, especialmente os advindos de remoções de favela e das regiões mais carentes, uma vez que nestes indivíduos as necessidades de subsistência causaram, como efeito colateral, um comportamento cada vez mais individualista e menos gregário. Neste caso, a baixa escolaridade e renda comprometem a manifestação de um comportamento coletivamente viável, uma vez que o convívio comum é preterido em relação ao que é de cunho substancialmente particular.

Deste modo, passam a surgir problemas de natureza crônica, como o abandono gradativo das UHs por parte dos beneficiários originais, o que acarreta na utilização e comercialização irregular das mesmas; o uso indevido de áreas comuns do conjunto; os conflitos de vizinhança; a degradação progressiva das instalações e estrutura física da edificação, consequências da falta de manutenção preventiva; ausência de união comunitária que possibilite ações que visem o bem comum; e até mesmo a disposição irregular de resíduos provenientes da população que habita os conjuntos.

Faz-se necessário enaltecer que estes indivíduos, provenientes de uma camada sócio-econômica onde a busca por recursos de subsistência é praticamente predatória, apresentam um comportamento reproduzido no meio em que originalmente se encontravam, antes de ocuparem os empreendimentos da NONONONO.

De acordo com a teoria marxista, “o desenvolvimento de habilidades e funções específicas do homem, assim como a origem da sociedade humana, são resultados do surgimento do trabalho.

É através do trabalho que o homem, ao mesmo tempo em que transforma a natureza (objetivando satisfazer suas necessidades), se transforma” (Rego, 1998, p. 51). Analisando de forma mais ampla o pensamento de Marx, o público atendido pelos empreendimentos da NONONONO simplesmente comporta-se de modo condizente aos desafios e recursos que eram necessários à sua sobrevivência e prosperidade em si, na realidade anterior. Portanto é apenas natural que suas ações não sejam compatíveis com as necessárias ao bom funcionamento deste novo convívio social em que estão inseridos.

Por outro lado, o ser humano desenvolve-se de forma sócio-histórica. Ou seja, obtém as ferramentas necessárias ao seu crescimento de acordo com o momento social e histórico em que está inserido. Segundo a teoria do Interacionismo, de Lev Semyonovitch Vygotsky (1896 — 1934), é o grupo social que fornece o material (signos e instrumentos) que possibilita o desenvolvimento de novas atividades e comportamentos. Isso significa que se deve analisar o reflexo do mundo exterior no mundo interior do indivíduo, a partir da interação destes com a realidade. As mudanças que ocorrem nele, ao longo de seu desenvolvimento, estão ligadas à interação dele com a cultura e a história da sociedade da qual passa a fazer parte. Vygotsky (1999, p. 117) nos diz que “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento.”

A questão, deste modo, consiste em conscientizar estes moradores sobre seus deveres e direitos enquanto parte de uma estrutura condominial, através de ações que afetem suas realidades de forma ampla e coletiva, tornando-lhes disponível e evidente uma nova percepção sobre o mundo ao seu redor. Isso se torna possível auxiliando-os em seus primeiros passos dentro das unidades habitacionais da NONONONO, fomentando os seguintes aspectos:

• A conservação e melhoria do edifício;
• Os diversos fatores implícitos à moradia verticalizada;
• A formação de uma comissão de moradores e agindo como interlocutor entre as diversas esferas do governo;
• O atendimento de demandas específicas da população de cada conjunto;
• Incentivo a projetos sociais próprios;
• Instalação centros de inclusão digital nos empreendimentos;
• A preparação pedagógica e perceptiva das famílias em relação ao comportamento e interação coletiva.

Estas e outras ações de natureza sócio-comunitária promulgam aquilo comumente chamado de exemplo, o qual, num termo de médio e longo prazo, possibilita a observação, assimilação e posterior reprodução de atitudes que visem o bem comum, não apenas o individual, daqueles que moram nos conjuntos habitacionais da CDHU.

Por fim, dando embasamento e atuando em sincronia com uma política adequada de sustentabilidade ambiental e desenvolvimento social, faz-se imprescindível um sistema de gestão condominial eficaz e pró-ativo, que vise manter, organizar e recuperar o empreendimento, tanto naquilo que diz respeito a sua estrutura física – bom funcionamento, manutenção de áreas comuns, eventuais reformas e melhorias – quanto à sua legislação interna – regras de conduta, leis e administração.

Uma residência não é um lugar totalmente isolado. O envolvimento com a parte externa depende de fatores como provimento, energia, educação, lazer e emissão de dejetos. Em uma casa, as aberturas não são apenas físicas, elas dependem da maneira como os moradores consomem. A quantidade de água, luz, alimentos e resíduos está diretamente relacionada ao comportamento individual, familiar e urbano para então, culminar no cidadão consciente – ou não – de suas atitudes. Estes processos exigem fluidez de recursos, fato que torna essencial a presença de um agente controlador e fiscalizador que garanta seu bom funcionamento. A fluidez do mesmo dependerá, sempre, do nível sócio-educativo dos moradores e do próprio ambiente construído.


Daí a importância da presença de projetos sócio-econômicos e ambientais suportados por um sistema que corrobore as mudanças propostas.

A implantação da administração condominial não apenas fiscaliza essas diretrizes, mas também dá sustentabilidade e apoio à transformação psicossocial necessária ao convívio coerente entre os indivíduos que fazem parte do condomínio, uma vez que esta não apenas incentiva novas medidas, mas também garante a execução e conclusão daquelas que estão em andamento. E aplica as devidas penalidades aos que se recusam em adequar-se à nova realidade.

A fim de compreender a relevância deste tipo de gestão é importante conhecer melhor sua estrutura.

No condomínio, o proprietário de uma unidade autônoma (apartamento, conjunto comercial, loja, etc.) tem o direito de usar, de modo exclusivo, uma determinada área; e uma em comum a outros proprietários (condôminos). Ou seja, o condômino pode usar de maneira exclusiva o seu espaço privativo; no entanto, no que se refere, por exemplo, às áreas de lazer, corredores de acesso aos apartamentos, salão de festas, elevadores e escadarias, o uso se dá em compartilhamento com os outros condôminos.

A forma de utilização das áreas de uso exclusivo (as chamadas unidades autônomas) deve respeitar os parâmetros impostos pelo direito de vizinhança e as normas gerais de bom e respeitoso comportamento.

Com relação às áreas e espaços de uso compartilhado, devem-se seguir, rigorosamente, as regras estabelecidas na convenção de condomínio e no regimento interno. Mais além, independente de estar transcrito nos mencionados instrumentos (convenção e regimento interno), os condôminos devem também respeitar as regras do Código Civil Brasileiro.

Na convenção de condomínio deverão estar dispostas, dentre outras matérias, as seguintes:

a) a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva estremadas uma das outras e das partes comuns;
b) a fração ideal de cada unidade autônoma (que, a via de regra, serve também para definir o coeficiente de participação da respectiva unidade autônoma no rateio das despesas condominiais);
c) a finalidade de cada unidade (residencial ou comercial);
d) forma de administração do condomínio;
e) a competência das assembléias, formas de convocação e quorum para suas deliberações;
f) regimento interno do condomínio (trata de questões corriqueiras, como horários de utilização de determinadas áreas de lazer, dias e horários para realização de mudanças e reformas nas unidades, sistema de entrega de correspondências, etc).

A administração do condomínio se dá por meio de três órgãos: assembléia geral, síndico (que por vezes conta também com a atuação de subsíndicos, quando assim dispuser a convenção de condomínio) e conselho.

A assembléia geral dos condôminos é o órgão soberano que define os rumos do condomínio, desde que suas deliberações respeitem os respectivos quóruns fixados em lei.

Nas assembléias gerais, além da votação sobre o orçamento das despesas ordinárias e das despesas extraordinárias, há também a aprovação de contas, eleição do corpo diretivo (síndico, subsíndico e conselho), e deliberação de assuntos específicos que estejam listados na ordem do dia da assembleia.

Esta deve ser conduzida por um presidente que indica uma pessoa para secretariar a reunião e, assim, lavrar a respectiva ata cujo encaminhamento aos condôminos deverá acontecer dentro do prazo previsto na convenção.

A eleição do corpo diretivo implica na eleição do síndico e, se for o caso, de um subsíndico e de um conselho fiscal composto por três membros. O trio possui a função de analisar e emitir parecer sobre as contas do síndico. Este conselho fiscal, citado no artigo 1356, não é obrigatório, uma vez que a redação do artigo de lei diz: “Poderá haver no condomínio um conselho fiscal”; ou seja, se não houver, as contas do síndico deverão ser analisadas pelos condôminos e por eles aprovadas e rejeitadas, independente de qualquer parecer.

O artigo 23 da Lei 4591/64, que trata de incorporação imobiliária e, até o início da vigência do Código de 2002 (Lei 10.406/02), também tratava dos condôminos edilícios, previa a obrigatoriedade de eleição de um conselho consultivo (e não conselho fiscal) para assessorá-lo na solução dos problemas relativos ao condomínio, podendo a convenção definir suas atribuições específicas.

Note-se que pelo Código Civil, o conselho passou a ser restrito às funções fiscais e análise de contas, deixando de ser um órgão auxiliar na gestão do condomínio.

A convenção de condomínio pode estabelecer o harmônico convívio de dois conselhos, sendo um fiscal, voltado à análise das contas do síndico, e outro, consultivo, que deverá auxiliar o síndico na tomada de decisões e na propositura de medidas a serem implementadas. Nada impede, no entanto, que o conselho fiscal seja investido de poderes que não se limitem à mencionada questão fiscal, mas também, tenha um papel mais relevante e decisivo no processo administrativo.

Para auxiliar o síndico na execução de suas tarefas, ele poderá contratar, em nome do condomínio, uma empresa administradora que prestará os serviços inerentes à parte operacional, servindo de apoio, em especial, no que se refere às questões trabalhistas, previdenciárias e de treinamento dos profissionais que prestam serviços no local (portaria, limpeza e segurança).

Há de se observar que os tópicos mencionados anteriormente norteiam de forma condensada o que compreende a realidade da gestão condominial, servindo meramente como parâmetro à dimensão do desafio a ser enfrentado pela CDHU, lembrando que cada empreendimento apresenta suas respectivas peculiaridades e, evidentemente, necessidades.

Ainda assim, utilizando-se destes como base de análise, pode-se auferir a devida importância que o papel da administração de condomínios tem na obtenção de resultados positivos em relação às mudanças vitais ao bom funcionamento dos empreendimentos da NONONONO.

Conclusivamente, é imprescindível um estudo de caso que componha as diretivas principais deste projeto para, num momento inicial, identificar as carências a ser o foco desta ação e, posteriormente, atuar de forma efetiva e simultânea nas três esferas que o compreendem – ambiental, condominial e social.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Dia Comum

Já li ou ouvi esse termo em muitos lugares. “Dia comum”... “É apenas mais um dia comum”, algumas pessoas dizem num tom monótono. Eu mesmo sôo monótono quando digo isso. E devo admitir que não uso pouco essa expressão.
Mas aí paro e penso “o que faz de qualquer dia algo comum?”. É a rotina? A mesmice? O repetir habitual de ações que precisam, devem ser cumpridas? É saber que o gás vai acabar e ter que sair para comprar mais? É pagar uma conta no banco? Ou ligar apenas para dar “alô” a alguém? Como se instaura o que é comum no nosso cotidiano? O comum é pura e simples repetição? Uma ausência de possibilidades novas? Existe um dia sequer em que seja praticamente impossível o surgimento de um evento inusitado? E se for, quantos dos nossos dias são assim, previsíveis?
Lembro-me que há até poucos anos atrás cada novo dia era uma surpresa bem-vinda. E meu horizonte era ilustrado com um milhão de portas e janelas já abertas ou prontas para abrir. Eu podia ser tudo a qualquer momento. Fazer tudo a cada instante. Ir e vir ou simplesmente mudar de direção quantas vezes quisesse. Não existia isso de “dia comum”. O que havia eram dias em que, pelo menos, nada de ruim acontecia. E os demais dias eram sempre uma nova chance. De fazer amizade com o frentista do posto. De tentar um caminho diferente para a escola ou o trabalho. De combinar um fim-de-tarde num boteco qualquer com os amigos. De “dar um gato” nas responsabilidades e passar a manhã na praia...
Não havia isso de “rotina”, instaurada numa fundação de concreto bem firme. A rotina era algo maleável e até mesmo dispensável num caso extremo. Num dia estava-se trabalhando regularmente, de carteira registrada e tudo. No outro bastava chutar um ou dois baldes para transformar o certo em incerto, o estável no instável... E de que importavam os riscos? Saísse algo errado, bastava começar do zero novamente.
Porém os anos passam. E com o passar deles vem a primeira conta de telefone, de luz, de internet, de cartão de crédito, a primeira declaração de imposto de renda não-isentável... Pior, tudo no seu nome. A partir daí você faz, oficialmente, parte do sistema. Antes vivia às margens dele, ingenuamente acreditando estar sendo poupado ou ignorado. Honestamente, nós nem nos damos conta dele até ser tarde demais. Até não ter mais volta. A vida parecia sim um filme de aventura. E somos sempre mocinhos e mocinhas do nosso próprio enredo. Fazer “dar certo” era uma mera questão de “querer”, não de “poder”...
Então, sem anestésico ou curso preparatório somos arrastados no meio de uma multidão que já vive a constante pressão de apenas existir, ativa ou passivamente, lutando para seguir em frente ao menos e, com um bom bocado de sorte, prosperar. Porque com o tempo surge a responsabilidade real e palpável do que fazemos não só por senso de dever, mas também por obrigação. E acredite, por obrigação existe MUITO a ser feito.
É um fato: estar vivo, fazer parte do mundo, é algo que nos caleja a mente, coração e corpo. Basta parar e pensar, por um instante, na possibilidade de termos feito tudo que precisava ser feito durante um dia. Ela inexiste. Sempre há algo mais que devemos fazer. Não importa o quê. A pintura da casa, a comida do cachorro, a revisão do carro, o presente da namorada, o dentista do filho... Existe sim, durante as 24 horas do dia, uma fileira de tarefas com a mão levantada dizendo “Ei! É a minha vez! E o imposto? Não vai esquecer o imposto não!”.
Isso tudo justifica uma postura derrotista e amargurada? Temos então razão para aceitar que um dia, na sua mesmice e morosidade, pode e, principalmente, deve ser comum? Não meu amigo, é óbvio que não... Aquela mágica dos primeiros anos de nossas vidas, aquele desprendimento de tudo e de todos e aquela sensação de infinitude em relação às nossas escolhas ainda existe nos dias de hoje. Claro, o preço das decisões que tomamos agora é bem maior do que já foi no passado. Ainda assim, se ele é real também são reais as escolhas que podemos fazer, por mais caras que sejam em determinadas situações. Basta sopesar. Basta avaliar. Basta decidir com sabedoria e maturidade.
E o dia é algo que pode muito bem continuar sendo mágico, mesmo com todas as atribulações de uma rotina permeada por responsabilidades e obrigações a serem cumpridas. É preciso apenas entender que a magia existente nele tornou-se mais refinada e sorrateira. Além do mais, é exatamente por ser tão bem escondida, entre os segundos, minutos e horas do ponteiro, que ela é mais consistente. Mais real.
Um dia sempre é capaz de nos surpreender, um dia sempre pode ser inesperado...
Um dia é tudo que precisamos para ser e fazer o que quisermos.
Mas mais importante do que descobrir o que um dia pode nos trazer de novo é deixar-se livre e de mente aberta para que, ao invés disso, o dia nos traga o que lhe der na telha.
Um dia é sempre o último ou o primeiro de todos os sonhos que podemos almejar. Basta decidir qual dessas opções ele é...
Grande abraço,
Guilherme Johnston

Despedida de um amigo...

Meus queridos amigos, minhas queridas amigas...

Hoje parte Junior.

Sem volta, sem segunda chance, definitivamente, para além de nosso alcance...

Esse canino tão meigo e abençoado teve seu jeito maroto, menino, interrompido por um câncer diagnosticado.

Nosso amigo, que fez da alegria e do amor um lindo ofício, para ser poupado da dor foi sentenciado ao inevitável sacrifício.

A idéia de sua partida com certeza não agrada ninguém...

...Mas por vezes é necessário recorrer à tristeza e praticar um mal para conseguir um bem.

Diz a doutora que a mazela tem residência entre a próstata e bexiga, não se sabe ao certo...

A notícia perturbadora, segundo ela, é que não adianta insistência ou briga: a hora da morte está bem perto.

Na ausência de um tratamento ideal, o bom senso deve prevalecer.

Melhor um adeus saudoso e cordial, do que teimar em fazê-lo sofrer.

Então faça-se o que é preciso, e no momento é preciso cavar...

Pois assim é a vida e esforço-me num sorriso para aceitar que ela um dia haverá de acabar [para todos nós].

Hoje, sem delongas e demoras, receberá nosso amigo a agulhada letal às duas horas.

Eu o enterro para sempre num solo colorido de amarelo e vermelho, com o coração agradecido...

...Por ter agüentado algumas poucas vezes seu jeito pentelho, noutras tantas seu sorriso querido!

Vá em paz, que Deus o abençoe e o receba com um grande osso para cada latida!

Nos veremos novamente meu compadre, quando for nossa vez...

...Quando nos encontrarmos todos numa próxima vida.

Com muito amor do seu amigo [jamais dono],

Guilherme Johnston.

Um pouco de mim...

Eu vou e volto, todo dia
Sou calmo e revolto, enérgica apatia
Encerro-me em mim e abro-me ao mundo
Desconheço a existência de início ou fim
Mas percorro meu caminho num segundo

Pertenço ao todos e saboreio o tudo
Ainda assim sou segredo, silencioso, mudo
Pois seja demasiado cedo ou deliciosamente tarde
Enquanto me apaga o medo, a coragem teima e arde

Faço-me virtude e defeito, água quente ou água fria
Porém, a noite, quando deito, sempre sou eu comigo
[nunca o que eu seria]
E se procuro abrigo num cobertor de falsidades
Mais me aperta essa dor, que é toda fatos, simples verdades

Vivo claro e escuro, com igual carinho
Por vezes sou disparo, noutras sou muro
Moro no presente, no passado, no futuro
Gosto de estar acompanhado, gosto de ser sozinho

Sou quase tudo aquilo que quero
E não fui quase nada do que queria
Jamais chego exatamente aonde espero
Mas sempre estou além de onde deveria

Existo no muito, mas sou uma coisa somente
Posso ser fraco ou forte, calmo e insistente
Sem nunca escapar, esquivar-me completamente
Dessa sina de amar, amar, amar, amar...

[...amar loucamente]

Guilherme Johnston

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Árduo Trabalho?

Noutro dia me passou pela cabeça uma idéia curiosa...
Tenho aqui um vizinho. Bom, dois na verdade, um de cada lado...
De fato a maioria de nós os têm, vizinhos, exceto aquelas pessoas que moram em lugares muito, muito, muito ermos.
Enfim, não quero discorrer nesse texto sobre a importância dos vizinhos em nossas vidas. Isso fica para outro dia. O fato é que meu vizinho tem uma empregada. É uma mulher de meia idade imagino, entre seus 35 ou 40 anos. Como o que divide minha casa e a dele é apenas um muro baixo, vejo-a sempre para lá e para cá, de vassoura ou roupas sujas na mão, trabalhando todos os dias. Quando a percebo passando, não desvio meu olhar. Mas quando ela me percebe, já abaixa o rosto e segue taciturna com o que estiver fazendo, seja lá o que for. Normal, nada demais nisso. Algumas pessoas apenas não são muito comunicativas. O engraçado é que tenho pessoas trabalhando aqui para mim e a vejo cumprimentando-as todos os dias. Ouço-a conversando com elas e vice-versa. Sempre fiquei curioso sobre o que me separa, na cabeça dessa mulher, das demais pessoas da nossa pequena, restrita e, ao mesmo tempo, vasta realidade.
Então, nesse dia em que me surgiu a tal idéia, aconteceu algo inusitado. Meu jardineiro teve que se ausentar pela manhã e ficou ao meu cargo passar o rastelo no jardim. Tudo bem, eu gosto de rastelar. É uma oportunidade para não pensar em nada. Apenas fazer algo porque precisa ser feito, sem explicações ou teorias.
De qualquer modo, lá estava eu, rastelando, alheio ao mundo externo por um breve momento, quando sou sobressaltado por alguém falando comigo.
“Que bom que essa chuva deu um tempo né?” ouvi uma voz dirigindo-se a mim.
Quando me dei conta, surpreso percebi do outro lado do pequeno muro a tal da empregada, sorridente, esperando por uma resposta. Não havia dúvida. A pergunta foi para minha pessoa, não havia ninguém passando por perto...
“Ainda bem mesmo. Tomara que seja assim durante o fim-de-semana!” respondi a ela o mais animado possível. Ela assentiu com alegria, com um reconhecimento que antes não existia nos seus olhos, no seu modo tacanho de interagir comigo. Despedimos-nos cordialmente e cada um seguiu com sua tarefa, a dela diária, a minha atípica.
E aí foi difícil não refletir sobre o que fez essa mulher sentir-se à vontade para me dirigir a palavra...
Olha, normalmente, quando escrevo, floreio meus textos com inúmeras perguntas que apenas direcionam os olhos do leitor a uma óbvia conclusão posteriormente. Nesse instante o caso não é esse.
O fato é que ela conseguiu comunicar-se livremente, depois de tanto tempo, por ter me visto trabalhando, como ela, em algo simples, compreensível e familiar à sua realidade. Não que eu viva sem trabalho. Quem descobrir como se vive assim, por favor, me conte o segredo. Mas estou sempre de lá para cá cuidando de outras coisas que só eu mesmo, aqui onde vivo, posso fazer. Por isso pago outras pessoas para desempenharem essas funções, de passar, varrer, cozinhar, lavar... Assim posso cuidar da minha parte sem preocupações e concentradamente.
Não precisa ser um gênio para entender que, no caso dela, assim como para meus próprios funcionários, boa parte do que faço é simplesmente incompreensível. Bom, isso não me torna mais inteligente do que eles. São apenas coisas que não fazem parte da sua percepção por uma questão de origem sócio-econômica, acadêmica ou as duas coisas juntas. Aposto que eu mesmo não entenderia muito da vida deles também. Isso também não faz de mim mais ou menos burro certo?
Mas a questão não é essa. O que me interessou foi que, ao ver-me ali, rastelando o jardim, essa mulher foi capaz de me perceber, de me interpretar como igual, não num nível superior ou inferior (vai saber como é a auto-estima dela), mas equivalente. Através deste simples ato, de rastelar, essa simplória pessoa pôde transferir o meu personagem à sua história por alguns breves momentos. E foi capaz de agir dizendo “Ei! Eu existo aqui e você também!” nas entrelinhas do seu comentário sobre o clima, tão inusitado para mim (o comentário, não o clima). Claro, pode ser apenas devaneio meu. Ainda assim faz sentido não?
E essa reflexão me fez lembrar de que o trabalho não apenas dignifica o Homem (enquanto espécie), mas o unifica também. É senso comum valorizar o indivíduo trabalhador em sua concepção árdua, com o sangue mitificado no suor de sua força física ou intelectual. Aplaudimos (mas nem sempre recompensamos devidamente) o esforço alheio e tecemos os mais variados elogios. “Nasça se concedido, cresça se permitido, estude se possível e trabalhe o mais que puder. E nos intervalos tente levar uma vida boa...” o Mundo nos diz. É verdade. Mas outra verdade não tão declarada é essa, de que uma das muitas ligações entre nós é o vínculo laboral. Esse esforço comum de toda uma raça, fazendo sabe-se lá o quê, em uníssono, como formigas num jardim.
Certamente toda essa atividade, em pequena ou larga escala, às vezes traz coisas boas e, noutras tantas, coisas ruins. Basta ver o que fizemos ao meio-ambiente nos últimos séculos não?
Seja como for, foi bom, gratificante eu diria, perceber mais essa conexão entre todos nós através de algo tão simples quanto rastelar um jardim e receber saudações cordiais da empregada do vizinho.
Somos, cada um, uma parte individual de um todo que ainda não compreendemos direito.
Mas um dia a gente chega lá...
Sinceramente,

Guilherme Johnston

Amor X Medo: uma breve consideração...

Não é o amor que precisa de rédeas, não senhor... O amor precisa de liberdade para simplesmente ser e florescer sem limites ou regras. O amor precisa apenas existir por conta própria, ausente de portas e trancas que lhe digam aonde ir ou vir.

O que precisa verdadeiramente de algum cuidado é o nosso medo. O medo de perder, de deixar de receber carinho, da ausência da pessoa amada... O medo enfraquece nosso amor, tanto aquele que sentimos por quem amamos quanto por nós mesmos... O medo estende-se como uma cortina que jamais deveria ser fechada, pois ofusca a luz que o amor emana em nossos corações. Por medo nos tornamos ansiosos, desconfiados, inseguros e cada vez mais distantes dos que nos amam. O medo é como uma estrada que leva nosso amor por caminhos escuros e confusos que o distorcem e enfraquecem. O medo é o muro que se interpõe entre nós e esse tão almejado amor perfeitamente possível, que está sempre um passo para ali quando, na verdade, deveria estar sempre um passo para cá...

O entusiasmo, o carisma, a alegria, a generosidade, a paciência e a compreensão fazem parte do amor.

A ansiedade, o zelo em excesso, a insegurança, a intolerância e o julgamento andam de mãos dadas com o medo...

O amar apenas é, sem razão ou sentido, sem explicações ou teorias...

O temer encontra inúmeras razões e motivos, construindo um universo infinito de coisas que jamais serão realidade, até que se prove o contrário...

O amor acontece agora...

O medo, nunca deixa acontecer...

Guilherme Johnston

Num domingo de inverno

Se bem me lembro, eu estava deitado, abraçado à uma garota que acabara de conhecer em um bar apenas alguns dias antes. Em silêncio, assistíamos o filme Lisbela e o Prisioneiro, as luzes da sala apagadas, o dia entardecendo lá fora... Selton Mello fazia suas macaquices e a atriz “Não Sei O Quê” Falabella tinha no rosto um sorriso que amoleceria o mais duro dos corações.

Eu tinha telefonado para minha companhia de manhã, como quem não quer nada, perguntando à ela quais seriam seus planos para o fim-de-tarde. Ela ficou feliz, me convidou para visitá-la na hora que quisesse e marcamos um encontro às quatro em seu apartamento, no centro.

Foi assim que a cena se formou. Cheguei no local com minha costumeira pontualidade [cinco minutos adiantado], fui calorosamente recebido com um tímido toque de lábios, abraços longos e apertados... Após alguns minutos a proposta veio e nos instalamos diante daquela “caixa quadrada” a qual eu costumo chamar carinhosamente de televisão. Depois de certo tempo, um pouco ao longe, pude perceber o som da banda municipal que insistia em fazer-se presente, lá no coreto da praça, há alguns quarteirões de distância do prédio onde estávamos. Era domingo, dia em que a cidade quebrava um pouco de sua apatia com esse tipo de evento aberto ao público... Mas se eles não tocassem mais alto ou um de nós dois não se levantasse para abaixar ou aumentar o volume da televisão, a coisa continuaria assim. E estar muito confortável sob as cobertas não me motivou o suficiente para pensar em mudar a situação... A garota também não parecia querer reclamar de nada.

Enfim, não importaria muito o que estivéssemos fazendo pois qualquer coisa seria um pretexto para colocar nossos corpos e seus desejos mais próximos um do outro: filme, música, um copo de qualquer bebida ou o simples frio lá fora teriam igual conotação.

Ali, com as pernas entrelaçadas, as mãos acariciando-se sugestivamente, o calor de ambos tornando-se um só, as respirações cada vez mais irregulares e todos os instintos à flor da pele, o óbvio era inevitável: fosse no filme ou na vida real dentro daquele ambiente, alguém acabaria fazendo aquilo que todo mundo gostaria de ter o tempo todo, se pudesse. Ou se pelo menos agüentasse...

Mas a vida é ordinária, inesperada e uma piadista maliciosa cheia de surpresas. Porque quanto mais óbvio algo parece, maior nosso descuido e desatenção sobre os imprevistos que ela traz. E essa falsa sensação de clareza e conhecimento acaba nos colocando rapidamente no papel daquele que é “pego com as calças curtas”.

Quando Marco Nanini, num ímpeto de ódio e rancor característicos de seu personagem, prostrou Selton Mello de joelhos em frente ao bar, apontando sua arma e dando-lhe a sentença máxima [a qual, eu sabia muito bem, não seria executada] a frase “Já volto...” caiu nos meus ouvidos.

Do aconchego das cobertas a garota emergiu, suave como uma bailarina mas de uma curiosa determinação. Como se fosse buscar algo que tivesse esquecido ou simplesmente ido ao banheiro... Não fazia muita diferença, desde que eu não tivesse que me levantar também ou a moça em questão começasse a demorar demais...

E ela demorou.

Demorou eternos e silenciosos vinte minutos. “Deve estar no banheiro”, comecei a pensar. Continuei assistindo o filme. Àquela altura o mocinho já estava preso na delegacia e jurado de morte pelo bandido, a mocinha na igreja casando-se com outro paspalho e a trilha sonora das mais dramáticas possíveis.

Mesmo quando tudo deu uma reviravolta e o destino começou a sorrir novamente para Lisbela, ainda assim minha “anfitriã” não voltara do que quer que estivesse fazendo. Fiquei preocupado e decidi bisbilhotar,ainda assim cheio de expectativas sobre o filme. Afinal, restavam com certeza meia hora até o fim e Lisbela ainda não tinha aparecido nua. A esperança é sempre a última morrer...

Dei umas voltas pela sala, ganhando preciosos segundos, olhando para o relógio, pensando em fumar um cigarro ou mexendo nos porta-retratos da mesa. Ao mesmo tempo tentava auscultar algum barulho estranho, um sinal de que ela estivesse pelo menos viva ou ocupada com algo. Nada.

Aquilo começou a ficar estranho e curiosamente sombrio. Ninguém some assim, repentinamente, por um bom motivo. A razão de tanta demora, por dedução, deveria ser ruim. Mas é como eu disse anteriormente. Quando você realmente acredita que está pronto para praticamente tudo, que conhece os mandos e desmandos da vida, acontece algo para lhe mostrar a simples verdade diante de seus olhos: a gente não sabe de nada.

“Ruim” como definição não chegava nem perto da cena que se apresentaria diante de mim.

Depois de entrar sorrateiramente no quarto, sem acender as luzes, e constatar que não havia ninguém, fui até o banheiro “na ponta dos pés”. A luz passava por debaixo da porta. Encostei a cabeça de lado e tentei identificar algum som. Água corrente, barulho de papel amassado, descarga, choros e soluços... Qualquer sinal me tranqüilizaria. Nenhum.

Esperei. Continuei esperando até o ponto de não poder esperar mais. O que devo confessar ocorreu de forma rápida, tendo em vista o ariano impaciente que sou...

Bati na porta e nada. Bati de novo e nada de novo. Chamei pelo nome e nada. Perguntei se estava tudo bem e o resultado foi, incrivelmente, nada. Já tinha motivos suficientes para arrombar “o obstáculo” não estivesse este destrancado.

Permitam-me fazer uma pausa agora. Em momentos cruciais como esse, em que o mistério há de ser desvendado e a verdade finalmente coloca-se diante de nossos treinados e enevoados olhos, deve-se colocar as coisas em perspectiva. Por questões de educação e etiqueta, acredito eu. Mas porque também é de meu feitio...

Saibam todos aqueles que pregam o entendimento pleno sobre as peripécias e caprichos do destino que a coisa não é bem assim. O absurdo, inesperado, o acaso e, não menos importante, a ironia, podem ser um “grupinho de amigos” muito mais inventivo do que costumamos imaginar.

Na verdade, a frase “estar sob controle de uma situação” me soa com um ar de ingenuidade, [para não dizer ignorância] tão grande que acabo por interpretá-la muito mais como mecanismo de defesa do que qualquer outra coisa. O fato é, a despeito de nossa vontade, não são necessários mais do que alguns segundos para que o papel se inverta e a “situação” assuma o controle sobre nós.

E lá estava eu, “sob controle”, pleno de minhas capacidades e auto-suficiência, confiante e altivo, para vê-lo ser tomado de mim num estalar de dedos. Ou no abrir de uma porta.

Não me lembro ao certo qual foi a primeira coisa que disse quando entrei correndo pelo banheiro mas, com certeza, era algo muito parecido com “puta que o pariu”. E com toda razão. Não é todo dia que se vê algo assim.

Principalmente depois de me afastar do filme momentos antes da tal Falabella tirar a roupa [posteriormente minha frustração seria ainda maior ao perceber que, assim que os créditos começassem a subir na tela, a mocinha era realmente virtuosa, porém tímida demais para se dar a esse trabalho].

De início senti um certo nojo, que aos poucos transmutou-se em pânico para, finalmente, instaurar-se como preocupação. Não sabia se pegava em meus braços, tentava conversar ou berrava feito doido varrido, se saía em busca de ajuda ou para não voltar nunca mais, se chorava e até mesmo ria perante a comicidade da tragédia.

Assim, nesse estado, com o coração a galopar incontrolável, só uma coisa me passava pela cabeça: não havia mais ninguém ali há não ser nós dois e, definitivamente, sobraria para mim buscar a solução do problema.

“Vá com Deus...!!! E seja feliiiizzz!!!” clamava emocionado o pai de Lisbela no aparelho ao qual gosto de me referir desdenhosamente como “televisão”. Bom, diz-se do herói, corajoso e nobremente humilde, aquele que simplesmente fez o que deveria ter sido feito no momento necessário. A tarefa não me agradava mas, não era como se o tempo e a maré estivessem ao meu favor...

Então eu fui, com Deus e tudo, como manda o figurino [ou o pai de Lisbela]. E não pensem que me senti mais humildemente nobre e encorajado por causa disso. Fui é pensando que o “herói” de heróico não tem nada e não passa de um tremendo azarado que não tinha outra escolha na hora em que “a ponte explodiu”, isso sim!

E ao contrário do que se imagina, fazer a coisa certa não nos cobre de louros e aplausos. É, por muitas vezes, uma missão inglória. Nos faz refletir sobre si mesmo e os outros, questionando e duvidando sobre nossas crenças, atribuindo um aspecto de banalidade aos nossos valores. Que no final das contas não deixam de ser muito mais do que isso. Banais.

O que compensa no final é sobreviver à esse tipo de imprevisto, frisando aqui a importância do termo “sobreviver”. Às vezes é o melhor que se pode fazer mesmo.

Afinal compreensão, percepção, experiência e [Deus me livre!] evolução podem ser finalidades ou objetivos muito úteis e razoáveis. Mas não são muito mais do que termos utilizados para definir algumas coisas que a gente teima em explicar, mesmo sabendo que para a maioria delas não há explicação. Pelo menos não uma definitiva...

Mas isso é para depois. Sem querer já entrei num lado da discussão que foge completamente à descrição objetiva do meu domingo que, não falhando minha intuição, seria memorável.

Acontece que no exato momento em que todo meu plano de ação estava sendo executado, percebi na sala a ausência de diálogos e a trilha sonora do filme prosseguindo solitária e insistente. Nem me lembro da música. Só sei que não gostei. Principalmente porque isso indicava a chegada de um final que não pude testemunhar...

Voltei e deparei-me com letras, nomes e funções de pessoas, que eu sequer tinha ouvido falar, cruzando a tela num movimento vertical, de baixo para cima. Outra eterna dúvida minha seria porque os créditos nunca começam no sentido contrário? De cima para baixo...?

Desconsolado e frustrado, senti uma mão tocar-me o ombro. O odor que vinha dela era suavemente feminino, macio ao ser aspirado e me fazia pensar numa pena colorida flutuando.

“Obrigada... Você foi muito especial” foi a frase que me pousou aos ouvidos dessa vez. E a aceitei sem realmente compreender o porquê. Sem achar que merecia, ignorando qualquer mérito e negando qualquer responsabilidade...

Nos beijamos rápida e suavemente, um simples encontro de bocas. Sorri e ela me sorriu em retribuição. Parecia feliz ou talvez mais calma...

A porta da rua, serventia da casa, já estava aberta. Lá fora fazia frio e era tarde, quase meia-noite. Minha intenção seria acordar cedo no dia seguinte. Decidi ir-me embora. Afinal, num inverno cinzento e rigoroso como aquele, só ficaria acordado até mais tarde por um bom motivo. Como “bom motivo” entenda-se aquilo que todo mundo gostaria de ter o tempo todo, se pudesse. Ou se pelo menos agüentasse...

Guilherme Johnston

Antes do que poderia ser...

Antes da vida ficar difícil...

Eu gostaria de espernear aos brados
E fazer do organizado uma bagunça
Chutando os baldes que a vida me deu

Antes da tristeza chegar...

Seria bom estar deitado sobre a grama
Esparramando-me por todos os lados
Sorrindo ao céu como a criança que sou

Antes do mundo escurecer...

Quem me dera ter milhares de velas
Para incendiar cada canto da casa
E fazer da noite uma gloriosa labareda

Antes da lágrima cair...

Quão bela soaria uma gargalhada
Brotando franca do fundo do peito
Alimentando minha sincera loucura

Antes do medo surgir...

[Admirável] seria transpirar coragem
E sorrir ante o sofrimento [inevitável]
Como o herói que acredito ser

Antes do amor acabar...

Quisera eu ser feito de pedra
Não sofrer cada gota de saudade
Que escorre pela janela da sala
Como uma história que nunca vivi

Mas quis o destino pregar-me uma peça
Ao fazer de mim um abençoado oposto
Daquele que poderia de tudo se proteger

Ninguém há de acender as velas
A grama de meu jardim morrerá
O riso virá me silenciar a boca
Alegria mostrar-se-á ilusão

E vejo adiante tortuoso caminho
Que me saúda como velho amigo
Revelando-se lascivo, sem pudor
[ou perdão]

Eu a conheço bem, essa doce sina
Pois hão de estar sempre aqui, comigo
Minha terna, vasta e preciosa dor
Minha lânguida e incansável paixão...

Por fim, antes da despedida...

Hei de acenar confiante
E dar adeus aos que amo
Vendo-os partir um a um

Para enfim ser só, esquecido por todos
Feliz por aquilo que terei num dia distante
Em paz com tudo que já não existirá mais

Assim terminará minha bendita sorte
De apaixonar-me a todo instante
Pelas dores e alívios que a vida conduz

Essa irresistível tragédia, eu a abraço
Aceito essa honra sem o menor embaraço
De ser o último a fechar as cortinas, cerrar os olhos,

E apagar a luz...

Guilherme Johnston

Amor que acaba

Amor meu, que tristeza
Acabou-se todo o encanto
Tornou-se o mundo eterno pranto
Findou toda alegria, toda beleza...

Amor meu, como é triste
Sentir que não há mais saudade
Ver que o fim chegou, de verdade
Saber que a paixão não mais existe...

Amor meu, quanta amargura
Ao entender que está tudo terminado
E perceber teu olhar morto [desconsolado]
Ausente de qualquer carinho e ternura...

Amor meu, perdão, perdão
Pelo adeus que tanto evitei dizer
Por insistir em me afastar [e me perder]
Fazer do seu dia silêncio, da sua noite solidão...

Amor meu, preciso ir
Pois sopra um vento distante
E não há lagrima que impeça essa dor adiante
O meu definitivo e sofrido partir...

Guilherme Johnston

Homenagem à Flor da Noite

Existe essa linda flor, delicada e rara
Vivendo suas noites entre álcool e tabaco
Escondida atrás de um sorriso morto, opaco
Ela mendiga tragos de uma bebida sempre cara

Aprisionada nas curvas de um corpo cansado
Flutuando leve perto do palco, entre mesas e cadeiras
Tristemente perdida num mar de paixões corriqueiras
Ela se revela detrás de seu pequeno vestido avermelhado

E sob o atento olhar de quem a deseja
Oculto pela borda do copo de cerveja
A flor permanece ferida, abandonada
Uma beleza invadida, sempre maculada
Suspirando esquecida, sua luz apagada

Existe sim, essa linda flor
Que já não tem mais cheiro nem cor
Que pensa o dinheiro e sonha o amor
Que vai com homem ou mulher, sem se incomodar
Que se entrega para quem a quiser, basta pagar

Seu quarto não tem janela
Se tivesse, de quê iria servir?
Há muito sumiu o horizonte adiante
Restou apenas esse muro sufocante
O destino de seguir uma vida errante

A cama bagunçada? Sequer é dela
E quase nunca a usam para dormir
Ali deitam apenas desejos e ilusões
Vivos corações que sentem e têm medo
Chorando aflições em absoluto segredo

Existe sim, essa linda flor, doente, anestesiada
Que pela dor não deveria ter sido jamais tocada
Que desperta na fúria do Sol poente, desabrochada
Que já nem sente mais quando é acariciada
Que recebe a todos abertamente, escancarada

Essa flor que todos dizem não valer nada
Concebida na mágoa para fingir e dar carinho
É na verdade um anjo, que chora sozinho
Um refúgio aos fracos na cruel madrugada

Esse é seu maior pecado, ser essa alegria substituta
Criada por nós mesmos, fugindo de nossa própria luta
E que me perdoem as Santas, mas, Deus...
...ah sim, que Ele abençoe as Putas.

Guilherme Johnston

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O que preciso saber...

Eu sei pouco sobre a vida…

Se existe algo que posso afirmar hoje, depois de tudo que passei ao longo dos meus 33 anos de idade, essa é a declaração que mais se aproxima da verdade.

Já chorei e sorri por incontáveis motivos, já conversei sobre infindáveis temas e boa parte destes jamais encontrou um fim em si. Já bebi, fumei e fiz mais um zilhão de coisas que, no mínimo, enriqueceram minha vida com muita, muita experiência. Li livros, dúzias deles. Assisti a todos os filmes que quis, inclusive os que não quis, e gostei da maioria deles. Dancei, beijei, transei, corri, parei, cheguei cedo, fui embora tarde, saí antes do tempo, passei da hora de ir para casa, insisti, esperei, me escondi e abri-me ao mundo tantas vezes que já nem consigo me lembrar direito de tudo que vivi. Tive vontade de saber, de ser, de esquecer, de lembrar, de esquecer de me lembrar ou lembrar de me esquecer, de curtir, de saborear, de aliviar, de esticar mais um pouco aquela sensação gostosa de aproveitar algo ao máximo, e de lamentar muito por não poder aproveitar melhor...

Ainda assim, o fato é que sei pouco sobre a vida...

Fiquei doente algumas vezes, nada sério... Vi pessoas que amo adoecerem... Entristeci pelos meus motivos, fiquei triste pela tristeza de quem me cerca, fiquei triste quando todo o resto também ficou assim, triste... E aprendi a desentristecer também. Fosse a minha tristeza, fosse a tristeza dos outros...

E inevitavelmente sei pouco sobre a vida...

Senti preguiça e disposição com igual intensidade. Mas enrolei toda minha juventude para levantar e ir para escola. Fosse a minha cabeça de ontem igual à de hoje teria sido mais dedicado aos estudos. Trabalhei bastante também, por prazer graças a Deus, nunca ligando muito para o dinheiro. Fosse meu coração de ontem igual ao de hoje teria economizado mais. Através da experiência o tempo conseguiu me endurecer...

Mesmo assim, sei pouco sobre a vida...

Fiz poucos melhores amigos. Tão raros, tão raros... É uma pena. Mas conheço muita gente legal também. Sorte minha ser um cara querido. Azar o meu ser praticamente impossível cuidar de todo mundo ao mesmo tempo. Se pudesse viriam todos morar comigo.

E apesar de conviver com tantas pessoas, sei pouco sobre a vida...

Fui e voltei, fiquei por uns dias e decidi aparecer por aí qualquer hora dessas. Viajei bem menos do que gostaria, mas fico feliz quando estou por perto do meu próprio mundo. Um amigo, dos melhores, me disse que árvore sem raiz forte cai na primeira ventania. Ele não imagina o quanto estava certo. Ajudou-me a entender o que é casa.

Sei pouco sobre a vida sim... Sei que tudo passa, sei que haja o que houver, ela não pode perder a graça...

Esse é o pouco que preciso saber.

Esse pouco já me basta...

Guilherme Johnston

Apenas um instante

Que seja, chame de pretensão...

Em apenas um breve, ínfimo momento
Deixar brotar tanta imaginação [tamanho sentimento...]

Não precisar mais do que um mero segundo
Para ser todo sonhar e criar esse novo mundo
Tão suave, repleto de cor e possibilidade
Onde vive um amor que ainda não é
[mas bem que poderia ser de verdade...]

Diga, sinceramente, ser tolice...

Pensar que na mesmice do nosso cotidiano
Haveria de existir essa mágica, irresistível realidade
Sempre surpreendente [deliciosamente inesperada...]
A nos carregar como pluma numa linda revoada

Afinal, não é sabido por toda gente que ela [a felicidade...]
Esse alívio morando bem longe daqui, numa colina afastada
Só se alcança após o término de uma dura batalha travada?
E quando vem de graça, é ledo engano...

Ainda assim, contrariando esse mundo que cala...

Não posso [jamais] emudecer minha fala
Ou deixar-te partir no silêncio da tarde
Sem contar sobre essa alegria que queima, arde
Uma vã esperança que o acaso me concedeu
De reencontrar e contemplar, mais uma vez, por aí

[o encanto de um sorriso seu...]

Guilherme Johnston

Procura-se...

Por esse abismo tão irresistível
Onde sopra um vento de força incrível
Que muitos tentam entender como ilusão
Mas que, todos sabem, chama-se paixão

Por essa ansiedade tão temida, tão evitada
Que é sempre bem-vinda em sua chegada
E não importa o quanto ela complique a vida
Melhor tê-la por perto do que fazê-la partida

Pelo sofrimento de não mais estar só
E sentir na garganta esse indesatável, imenso nó
A nos apertar os olhos em lágrimas de felicidade
Deslizando pelo rosto num misto de alegria e saudade

Pela sorte de desejar mais e mais a pessoa amada
E fazer da noite no leito, juntos, uma irresistível jornada
Ofuscar as estrelas sendo fogo a queimar de verdade
No calor de um abraço apaziguar essa intensa vontade

Pelo azar de apaixonar-se perdidamente
E fazer tudo errado, de modo inconseqüente
Dizer palavras que jamais deveriam ser usadas em vão
Enfim entender, aliviado, para quê foi inventado o perdão

Pela magia de ver o tempo parar
A cada vez que dois lábios decidem se tocar
Para, quando separados, ver o relógio girar vagarosamente
Até que ambos tenham a chance de se beijar novamente

Por essa gigantesca e linda tristeza
De ver naufragar tudo que é absoluta certeza
Embarcar numa nau de destino obscuro, incerto
Querendo apenas estar sempre junto, sempre perto

Por esse amor eterno, verdadeiro
Que muitos dizem ser um sonho, algo inventado
Mas todos sabem, pudesse ser facilmente encontrado
Seriam dele de todas as maneiras possíveis...

...Seriam dele por inteiro.

Guilherme Johnston

Queira a vida um dia...

Queira a vida um dia...
Vir descortinar-se completa em mim
Sussurrando ao meu ouvido enfim
Pra quê tantas lágrimas, tanta alegria

Quisera eu poder entender...
Como é possível tamanha beleza?
Pois mesmo na mais dura tristeza
Ela sempre insiste em florescer

Quisera eu poder explicar...
Como pode um povo tão pobre
Que sofre o destino mais nobre
De viver esquecido no frio da pobreza
Fazer do riso sua mais franca riqueza
Não deixando jamais a esperança acabar

Quisera eu poder encontrar...
Um bom motivo para toda injustiça
Não sentir ódio, inveja ou cobiça
Navegar além de toda crueldade
E num mar de singela tranqüilidade
Ver tudo que é mentira naufragar

Quisera eu poder mostrar...
O quão belo e incerto é o futuro adiante
Tornar a felicidade próxima, nunca distante
Mostrando a todos essa dura realidade
De existir, na vida, a definitiva verdade
Ela, a vida, um dia há de acabar
[e temos pouco tempo a perder]

Por fim, quisera eu um dia...
... ver o amor em mim nascer

E permitir-me em teus braços
Desatar tuas fitas, desfazer teus laços
Consumar toda minha poesia

Deixar essa eterna saudade...

... finalmente morrer.

Guilherme Johnston

sábado, 1 de maio de 2010

Última quinta-feira...

Hoje é quinta-feira, treze de janeiro. São duas e quarenta e três da madrugada. Eu deveria estar com sono...

Mas não estou.

A sala é pequena, as paredes são pintadas de cor bege e marrom. Não há nenhum móvel além de uma mesa de metal e uma cadeira, na qual estou sentado. Tem um cara encostado perto da porta, um pouco pra esquerda à minha frente. Na cintura dele uma pistola, não consigo imaginar qual o calibre. Ouço o barulho de passos e vozes no corredor, mas não entendo nada do que dizem. A cada som novo lá fora fico mais e mais nervoso... A porta abre e um homem entra carregando nas mãos algumas pastas... Ele também carrega uma pistola, só que presa sob o braço esquerdo ao invés da cintura. O velcro de segurança está solto. Essa foi a primeira coisa que me chamou a atenção.
Ao mesmo tempo em que joga as pastas sobre a mesa começa a falar comigo rapidamente, como se estivesse com pressa de chegar logo ao final disso tudo. Com o corpo curvado de frente em minha direção, apoiado com as duas mãos sobre a mesa, diz que estou encrencado até o pescoço, que vai ser difícil resolver a situação e que é melhor eu cooperar. Depois de olhar impaciente para mim por alguns segundos, me pergunta como é que fui fazer uma merda dessas... Continuo sem dizer uma palavra, mantendo o olhar fixo no dele. Isso não parece agradá-lo de maneira alguma até onde posso perceber.
O outro encostado perto da porta nos deixa a sós. Ao vê-lo sair notei um sorriso em seu rosto. Procuro em vão descobrir o que teria graça agora. A porta se fecha novamente e a sala fica ainda menor...
Agora somos nós dois. Eu, mudo, e o homem que me contou tudo que ambos já sabíamos. Ele coloca-se totalmente de pé, dá a volta na sala e pára atrás de mim, um pouco para a direita. Pergunta-me mais uma vez sobre minha cooperação. Permaneço em silêncio, assustado demais para dar alguma resposta. Então fala algo sobre confissão, assinar papéis, arrepender-se, compreensão, advogados, corte, julgamento, prisão... Penso em falar alguma coisa, mas minha voz simplesmente parece estar desligada. Sua irritação aumenta e passos começam a ecoar pela sala, frases e gesticulações misturam-se numa cena cada vez mais apavorante... A tensão no ambiente é tão palpável que posso sentir seu peso em toda musculatura. Minha nuca tensiona e tento disfarçar o melhor que posso. Meus lábios se movem. Não posso chorar. Se o fizer estou perdido. De repente um soco na mesa, seguido de um dedo encostando-se a meu rosto. Há quanto tempo estou aqui? Uma hora? Duas? A vida inteira? Com o canto do olho esquerdo vejo um punho cerrado, de pele clara e os nós dos dedos levemente calejados, pendendo para baixo rente a uma perna que não é a minha. A cor da calça é azul marinho e os detalhes da costura, amarelos. Não que isso importe agora... Já nem escuto mais o que me é dito. Só o punho me chama a atenção. Por que esse desgraçado não me deixa ir embora?
Um súbito silêncio interrompe o transe. Percebo dois olhos fixos em mim e me dou conta do que vai acontecer. Não há como evitar isso por mais que eu pense. E parece que sou o único a pensar por aqui no momento. E no mesmo instante em que uma mão me segura pelo colarinho a outra atinge meu maxilar. A dor é grande, porém inferior à raiva que me deixa engasgado. Sinto lágrimas no rosto, os dentes amortecidos e um gosto de sangue na boca. Começo a suar mais do que antes. Minha respiração está ofegante. O coração parece querer explodir. Mesmo assim enxergo a cena toda com uma clareza impressionante. Cada detalhe fica cada vez mais vívido... O segundo soco acerta em cheio algum dente que se desprende por completo com a força do impacto. Já ouvi falar muito sobre espancamentos, torturas e outras coisas do gênero. Mas filmes e documentários não descrevem nem de perto o que é uma experiência desse tipo. O terceiro soco quebra meu nariz. Sempre o achei um pouco grande e sabia que um dia isso me causaria problemas. Pelo que posso entender esse dia chegou. Desesperado tento me proteger um pouco. O que de nada adianta e só piora tudo ainda mais. A cadeira some debaixo de mim e estou no chão. No quinto chute páro de contar. Escondo o rosto com as mãos cruzadas, mas o estômago está completamente descoberto. Quanto mais tento respirar, mais sólido fica o ar à minha volta. Ainda assim percebo o velcro de segurança solto no coldre da pistola...
Duas mãos me levantam pelo colarinho, já bem esgarçado agora. Lembro de quando a empregada lá em casa passava minhas roupas. Nunca me fez muita diferença usar roupa passada ou amassada. Mas sei que a mãe gostava de me ver bem vestido e por isso não criava caso. Escuto alguém falando comigo. Será o mesmo cara que entrou falando e jogando as pastas na mesa? Ou o que estava encostado na parede perto da porta? Minha mão direita se mexe. Meus olhos abrem. Não consigo me lembrar de quando os fechei. Vejo uma expressão de satisfação ou vitória diante de mim. Não sei ao certo. Um homem, ainda me segurando pelo colarinho, começa a dizer algo, mas pára ao encontrar seu olhar com o meu. Eu sorrio e sem que ele perceba movo minha mão rapidamente em direção à pistola. Ele nem percebe quando já está com o cano encostado em seu queixo. Seus lábios tremem. Será que quer dizer algo? Será que vale a pena ouvir? Empurro-o para trás com a arma. Meu rosto está em branco. Não há saída. Não há reviravolta. Não há vitória... O mundo todo parece tão calmo agora. O silêncio tão aconchegante. Ficamos assim, os dois parados, por alguns segundos. Longos segundos. Preciosos segundos.

E puxo o gatilho.

Tenho nove balas no pente. Uma na agulha. O barulho deve ter alertado pelo menos umas vinte pessoas. Metade delas provavelmente armada. Muita gente e pouca bala. Vou até a porta e a deixo encostada, sem trancar. Apóio-me com as costas na parede e aponto para a entrada da sala. Ouço passos vindo pelo corredor, um monte deles... Alguém lá fora grita ordenando que abram a porta...

Respondo calmamente a primeira coisa que me vem à cabeça.

“Pode entrar filho-da-puta...”.

Guilherme Johnston

O Jardim

Há quem note neste jardim
Possuidor das mais belas flores
Imensidão de coruscantes cores
De uma beleza que não vê seu fim

Há quem veja nessa imensidão
De formas e tamanhos diversos
Esse oceano de odores dispersos
Bailar ao vento em suave redenção

Nesse vergel vê-se o Mundo em sua essência
Donde caem sementes de singela dormência
A erguer-se em pétalas de alegria e sofrimento
Germinando em lágrimas seus novos rebentos

Pois a vida ali é de dores e alentos
Flutuando pelo ar como dentes-de-leão
Levando ao longe alegrias e tormentos
Enfeitando a tarde de tristeza e paixão

Nesse jardim suntuoso a brisa corre
Açoitando a tudo com zeloso carinho
Entoando música àquele que morre
Suspirando bom-dia ao que nasce no ninho

Vê-se ao longe o sonoro revoar de amores
Que vêm e vão em crescente velocidade
Alvoroçando-se nas torrentes de saudade
Chamuscando o horizonte com infinitas dores

É assim que o percebo, meu doce jardim
Que não é grande nem pequeno, mas é o que é
Um eterno alvorecer de tudo aquilo que já vivi
O despertar de todas as almas que habitam em mim

Por fim, distantes de tudo, reconheço
O amarelo e vermelho nas planícies, a brincar
Fazendo do Sol um algoz feliz e confesso
Pois me queimam o rosto em deliciosa cumplicidade...

... e eu, impotente em felicidade...

... me ponho a chorar.

Guilherme Johnston

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Esse quê...

Há um quê em mim...

Que chora feliz
E sorri tristemente
De sofrimento e alegria
Solidão e paixão

Há um quê em mim...

Que é de dor e alívio
Uma incerta apatia
Da mais franca alegria
De um infinito pesar

Há um quê em mim...

Que é puro desejo
Uma sina que almejo
Essa intensa agonia
De sofrer e amar

Há um quê em mim...

Que é sempre ausente, vazio
Esse não-ser insistente, arredio
Me empurrando sempre adiante
Em busca de um sonho distante

Há um quê em mim...

Que vive a certeza do dia
E morre na dúvida da noite
Procurando mistério e magia
Encontrando silêncio e açoite

Há um quê em mim...

E não sei explicá-lo direito
Que aperta-me forte o peito
Toda vez que a vejo passar

E ela sorrindo não vê
[a verdade]
Essa coisa me consumindo
Uma imensa saudade...

[...sei lá eu do quê]

Guilherme Johnston