quinta-feira, 20 de maio de 2010

Árduo Trabalho?

Noutro dia me passou pela cabeça uma idéia curiosa...
Tenho aqui um vizinho. Bom, dois na verdade, um de cada lado...
De fato a maioria de nós os têm, vizinhos, exceto aquelas pessoas que moram em lugares muito, muito, muito ermos.
Enfim, não quero discorrer nesse texto sobre a importância dos vizinhos em nossas vidas. Isso fica para outro dia. O fato é que meu vizinho tem uma empregada. É uma mulher de meia idade imagino, entre seus 35 ou 40 anos. Como o que divide minha casa e a dele é apenas um muro baixo, vejo-a sempre para lá e para cá, de vassoura ou roupas sujas na mão, trabalhando todos os dias. Quando a percebo passando, não desvio meu olhar. Mas quando ela me percebe, já abaixa o rosto e segue taciturna com o que estiver fazendo, seja lá o que for. Normal, nada demais nisso. Algumas pessoas apenas não são muito comunicativas. O engraçado é que tenho pessoas trabalhando aqui para mim e a vejo cumprimentando-as todos os dias. Ouço-a conversando com elas e vice-versa. Sempre fiquei curioso sobre o que me separa, na cabeça dessa mulher, das demais pessoas da nossa pequena, restrita e, ao mesmo tempo, vasta realidade.
Então, nesse dia em que me surgiu a tal idéia, aconteceu algo inusitado. Meu jardineiro teve que se ausentar pela manhã e ficou ao meu cargo passar o rastelo no jardim. Tudo bem, eu gosto de rastelar. É uma oportunidade para não pensar em nada. Apenas fazer algo porque precisa ser feito, sem explicações ou teorias.
De qualquer modo, lá estava eu, rastelando, alheio ao mundo externo por um breve momento, quando sou sobressaltado por alguém falando comigo.
“Que bom que essa chuva deu um tempo né?” ouvi uma voz dirigindo-se a mim.
Quando me dei conta, surpreso percebi do outro lado do pequeno muro a tal da empregada, sorridente, esperando por uma resposta. Não havia dúvida. A pergunta foi para minha pessoa, não havia ninguém passando por perto...
“Ainda bem mesmo. Tomara que seja assim durante o fim-de-semana!” respondi a ela o mais animado possível. Ela assentiu com alegria, com um reconhecimento que antes não existia nos seus olhos, no seu modo tacanho de interagir comigo. Despedimos-nos cordialmente e cada um seguiu com sua tarefa, a dela diária, a minha atípica.
E aí foi difícil não refletir sobre o que fez essa mulher sentir-se à vontade para me dirigir a palavra...
Olha, normalmente, quando escrevo, floreio meus textos com inúmeras perguntas que apenas direcionam os olhos do leitor a uma óbvia conclusão posteriormente. Nesse instante o caso não é esse.
O fato é que ela conseguiu comunicar-se livremente, depois de tanto tempo, por ter me visto trabalhando, como ela, em algo simples, compreensível e familiar à sua realidade. Não que eu viva sem trabalho. Quem descobrir como se vive assim, por favor, me conte o segredo. Mas estou sempre de lá para cá cuidando de outras coisas que só eu mesmo, aqui onde vivo, posso fazer. Por isso pago outras pessoas para desempenharem essas funções, de passar, varrer, cozinhar, lavar... Assim posso cuidar da minha parte sem preocupações e concentradamente.
Não precisa ser um gênio para entender que, no caso dela, assim como para meus próprios funcionários, boa parte do que faço é simplesmente incompreensível. Bom, isso não me torna mais inteligente do que eles. São apenas coisas que não fazem parte da sua percepção por uma questão de origem sócio-econômica, acadêmica ou as duas coisas juntas. Aposto que eu mesmo não entenderia muito da vida deles também. Isso também não faz de mim mais ou menos burro certo?
Mas a questão não é essa. O que me interessou foi que, ao ver-me ali, rastelando o jardim, essa mulher foi capaz de me perceber, de me interpretar como igual, não num nível superior ou inferior (vai saber como é a auto-estima dela), mas equivalente. Através deste simples ato, de rastelar, essa simplória pessoa pôde transferir o meu personagem à sua história por alguns breves momentos. E foi capaz de agir dizendo “Ei! Eu existo aqui e você também!” nas entrelinhas do seu comentário sobre o clima, tão inusitado para mim (o comentário, não o clima). Claro, pode ser apenas devaneio meu. Ainda assim faz sentido não?
E essa reflexão me fez lembrar de que o trabalho não apenas dignifica o Homem (enquanto espécie), mas o unifica também. É senso comum valorizar o indivíduo trabalhador em sua concepção árdua, com o sangue mitificado no suor de sua força física ou intelectual. Aplaudimos (mas nem sempre recompensamos devidamente) o esforço alheio e tecemos os mais variados elogios. “Nasça se concedido, cresça se permitido, estude se possível e trabalhe o mais que puder. E nos intervalos tente levar uma vida boa...” o Mundo nos diz. É verdade. Mas outra verdade não tão declarada é essa, de que uma das muitas ligações entre nós é o vínculo laboral. Esse esforço comum de toda uma raça, fazendo sabe-se lá o quê, em uníssono, como formigas num jardim.
Certamente toda essa atividade, em pequena ou larga escala, às vezes traz coisas boas e, noutras tantas, coisas ruins. Basta ver o que fizemos ao meio-ambiente nos últimos séculos não?
Seja como for, foi bom, gratificante eu diria, perceber mais essa conexão entre todos nós através de algo tão simples quanto rastelar um jardim e receber saudações cordiais da empregada do vizinho.
Somos, cada um, uma parte individual de um todo que ainda não compreendemos direito.
Mas um dia a gente chega lá...
Sinceramente,

Guilherme Johnston

Um comentário:

  1. É isso aí mano ! trabalhar é bom, faz bem e aproxima... e o melhor de tudo é que tem folga!! rsrsss

    bjkasss

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