terça-feira, 6 de julho de 2010

Dia Comum

Já li ou ouvi esse termo em muitos lugares. “Dia comum”... “É apenas mais um dia comum”, algumas pessoas dizem num tom monótono. Eu mesmo sôo monótono quando digo isso. E devo admitir que não uso pouco essa expressão.
Mas aí paro e penso “o que faz de qualquer dia algo comum?”. É a rotina? A mesmice? O repetir habitual de ações que precisam, devem ser cumpridas? É saber que o gás vai acabar e ter que sair para comprar mais? É pagar uma conta no banco? Ou ligar apenas para dar “alô” a alguém? Como se instaura o que é comum no nosso cotidiano? O comum é pura e simples repetição? Uma ausência de possibilidades novas? Existe um dia sequer em que seja praticamente impossível o surgimento de um evento inusitado? E se for, quantos dos nossos dias são assim, previsíveis?
Lembro-me que há até poucos anos atrás cada novo dia era uma surpresa bem-vinda. E meu horizonte era ilustrado com um milhão de portas e janelas já abertas ou prontas para abrir. Eu podia ser tudo a qualquer momento. Fazer tudo a cada instante. Ir e vir ou simplesmente mudar de direção quantas vezes quisesse. Não existia isso de “dia comum”. O que havia eram dias em que, pelo menos, nada de ruim acontecia. E os demais dias eram sempre uma nova chance. De fazer amizade com o frentista do posto. De tentar um caminho diferente para a escola ou o trabalho. De combinar um fim-de-tarde num boteco qualquer com os amigos. De “dar um gato” nas responsabilidades e passar a manhã na praia...
Não havia isso de “rotina”, instaurada numa fundação de concreto bem firme. A rotina era algo maleável e até mesmo dispensável num caso extremo. Num dia estava-se trabalhando regularmente, de carteira registrada e tudo. No outro bastava chutar um ou dois baldes para transformar o certo em incerto, o estável no instável... E de que importavam os riscos? Saísse algo errado, bastava começar do zero novamente.
Porém os anos passam. E com o passar deles vem a primeira conta de telefone, de luz, de internet, de cartão de crédito, a primeira declaração de imposto de renda não-isentável... Pior, tudo no seu nome. A partir daí você faz, oficialmente, parte do sistema. Antes vivia às margens dele, ingenuamente acreditando estar sendo poupado ou ignorado. Honestamente, nós nem nos damos conta dele até ser tarde demais. Até não ter mais volta. A vida parecia sim um filme de aventura. E somos sempre mocinhos e mocinhas do nosso próprio enredo. Fazer “dar certo” era uma mera questão de “querer”, não de “poder”...
Então, sem anestésico ou curso preparatório somos arrastados no meio de uma multidão que já vive a constante pressão de apenas existir, ativa ou passivamente, lutando para seguir em frente ao menos e, com um bom bocado de sorte, prosperar. Porque com o tempo surge a responsabilidade real e palpável do que fazemos não só por senso de dever, mas também por obrigação. E acredite, por obrigação existe MUITO a ser feito.
É um fato: estar vivo, fazer parte do mundo, é algo que nos caleja a mente, coração e corpo. Basta parar e pensar, por um instante, na possibilidade de termos feito tudo que precisava ser feito durante um dia. Ela inexiste. Sempre há algo mais que devemos fazer. Não importa o quê. A pintura da casa, a comida do cachorro, a revisão do carro, o presente da namorada, o dentista do filho... Existe sim, durante as 24 horas do dia, uma fileira de tarefas com a mão levantada dizendo “Ei! É a minha vez! E o imposto? Não vai esquecer o imposto não!”.
Isso tudo justifica uma postura derrotista e amargurada? Temos então razão para aceitar que um dia, na sua mesmice e morosidade, pode e, principalmente, deve ser comum? Não meu amigo, é óbvio que não... Aquela mágica dos primeiros anos de nossas vidas, aquele desprendimento de tudo e de todos e aquela sensação de infinitude em relação às nossas escolhas ainda existe nos dias de hoje. Claro, o preço das decisões que tomamos agora é bem maior do que já foi no passado. Ainda assim, se ele é real também são reais as escolhas que podemos fazer, por mais caras que sejam em determinadas situações. Basta sopesar. Basta avaliar. Basta decidir com sabedoria e maturidade.
E o dia é algo que pode muito bem continuar sendo mágico, mesmo com todas as atribulações de uma rotina permeada por responsabilidades e obrigações a serem cumpridas. É preciso apenas entender que a magia existente nele tornou-se mais refinada e sorrateira. Além do mais, é exatamente por ser tão bem escondida, entre os segundos, minutos e horas do ponteiro, que ela é mais consistente. Mais real.
Um dia sempre é capaz de nos surpreender, um dia sempre pode ser inesperado...
Um dia é tudo que precisamos para ser e fazer o que quisermos.
Mas mais importante do que descobrir o que um dia pode nos trazer de novo é deixar-se livre e de mente aberta para que, ao invés disso, o dia nos traga o que lhe der na telha.
Um dia é sempre o último ou o primeiro de todos os sonhos que podemos almejar. Basta decidir qual dessas opções ele é...
Grande abraço,
Guilherme Johnston

Um comentário:

  1. Todo santo dia,

    O despertador me acorda

    A cama me abandona

    O banho me toma

    A roupa me troca

    O café me engole

    O ônibus me pega

    O engarrafamento me prende

    O relógio me atrasa

    O ponto me bate

    O dólar me despenca

    A bolsa me arrasa

    A conta me cobra

    O imposto me taxa

    A raiva me fica

    A notícia me lê

    A história me conta

    A vida vai me passando

    E as opiniões mudam de mim...

    é assim né .. ou não sei lá....

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