quarta-feira, 5 de maio de 2010

O que preciso saber...

Eu sei pouco sobre a vida…

Se existe algo que posso afirmar hoje, depois de tudo que passei ao longo dos meus 33 anos de idade, essa é a declaração que mais se aproxima da verdade.

Já chorei e sorri por incontáveis motivos, já conversei sobre infindáveis temas e boa parte destes jamais encontrou um fim em si. Já bebi, fumei e fiz mais um zilhão de coisas que, no mínimo, enriqueceram minha vida com muita, muita experiência. Li livros, dúzias deles. Assisti a todos os filmes que quis, inclusive os que não quis, e gostei da maioria deles. Dancei, beijei, transei, corri, parei, cheguei cedo, fui embora tarde, saí antes do tempo, passei da hora de ir para casa, insisti, esperei, me escondi e abri-me ao mundo tantas vezes que já nem consigo me lembrar direito de tudo que vivi. Tive vontade de saber, de ser, de esquecer, de lembrar, de esquecer de me lembrar ou lembrar de me esquecer, de curtir, de saborear, de aliviar, de esticar mais um pouco aquela sensação gostosa de aproveitar algo ao máximo, e de lamentar muito por não poder aproveitar melhor...

Ainda assim, o fato é que sei pouco sobre a vida...

Fiquei doente algumas vezes, nada sério... Vi pessoas que amo adoecerem... Entristeci pelos meus motivos, fiquei triste pela tristeza de quem me cerca, fiquei triste quando todo o resto também ficou assim, triste... E aprendi a desentristecer também. Fosse a minha tristeza, fosse a tristeza dos outros...

E inevitavelmente sei pouco sobre a vida...

Senti preguiça e disposição com igual intensidade. Mas enrolei toda minha juventude para levantar e ir para escola. Fosse a minha cabeça de ontem igual à de hoje teria sido mais dedicado aos estudos. Trabalhei bastante também, por prazer graças a Deus, nunca ligando muito para o dinheiro. Fosse meu coração de ontem igual ao de hoje teria economizado mais. Através da experiência o tempo conseguiu me endurecer...

Mesmo assim, sei pouco sobre a vida...

Fiz poucos melhores amigos. Tão raros, tão raros... É uma pena. Mas conheço muita gente legal também. Sorte minha ser um cara querido. Azar o meu ser praticamente impossível cuidar de todo mundo ao mesmo tempo. Se pudesse viriam todos morar comigo.

E apesar de conviver com tantas pessoas, sei pouco sobre a vida...

Fui e voltei, fiquei por uns dias e decidi aparecer por aí qualquer hora dessas. Viajei bem menos do que gostaria, mas fico feliz quando estou por perto do meu próprio mundo. Um amigo, dos melhores, me disse que árvore sem raiz forte cai na primeira ventania. Ele não imagina o quanto estava certo. Ajudou-me a entender o que é casa.

Sei pouco sobre a vida sim... Sei que tudo passa, sei que haja o que houver, ela não pode perder a graça...

Esse é o pouco que preciso saber.

Esse pouco já me basta...

Guilherme Johnston

Apenas um instante

Que seja, chame de pretensão...

Em apenas um breve, ínfimo momento
Deixar brotar tanta imaginação [tamanho sentimento...]

Não precisar mais do que um mero segundo
Para ser todo sonhar e criar esse novo mundo
Tão suave, repleto de cor e possibilidade
Onde vive um amor que ainda não é
[mas bem que poderia ser de verdade...]

Diga, sinceramente, ser tolice...

Pensar que na mesmice do nosso cotidiano
Haveria de existir essa mágica, irresistível realidade
Sempre surpreendente [deliciosamente inesperada...]
A nos carregar como pluma numa linda revoada

Afinal, não é sabido por toda gente que ela [a felicidade...]
Esse alívio morando bem longe daqui, numa colina afastada
Só se alcança após o término de uma dura batalha travada?
E quando vem de graça, é ledo engano...

Ainda assim, contrariando esse mundo que cala...

Não posso [jamais] emudecer minha fala
Ou deixar-te partir no silêncio da tarde
Sem contar sobre essa alegria que queima, arde
Uma vã esperança que o acaso me concedeu
De reencontrar e contemplar, mais uma vez, por aí

[o encanto de um sorriso seu...]

Guilherme Johnston

Procura-se...

Por esse abismo tão irresistível
Onde sopra um vento de força incrível
Que muitos tentam entender como ilusão
Mas que, todos sabem, chama-se paixão

Por essa ansiedade tão temida, tão evitada
Que é sempre bem-vinda em sua chegada
E não importa o quanto ela complique a vida
Melhor tê-la por perto do que fazê-la partida

Pelo sofrimento de não mais estar só
E sentir na garganta esse indesatável, imenso nó
A nos apertar os olhos em lágrimas de felicidade
Deslizando pelo rosto num misto de alegria e saudade

Pela sorte de desejar mais e mais a pessoa amada
E fazer da noite no leito, juntos, uma irresistível jornada
Ofuscar as estrelas sendo fogo a queimar de verdade
No calor de um abraço apaziguar essa intensa vontade

Pelo azar de apaixonar-se perdidamente
E fazer tudo errado, de modo inconseqüente
Dizer palavras que jamais deveriam ser usadas em vão
Enfim entender, aliviado, para quê foi inventado o perdão

Pela magia de ver o tempo parar
A cada vez que dois lábios decidem se tocar
Para, quando separados, ver o relógio girar vagarosamente
Até que ambos tenham a chance de se beijar novamente

Por essa gigantesca e linda tristeza
De ver naufragar tudo que é absoluta certeza
Embarcar numa nau de destino obscuro, incerto
Querendo apenas estar sempre junto, sempre perto

Por esse amor eterno, verdadeiro
Que muitos dizem ser um sonho, algo inventado
Mas todos sabem, pudesse ser facilmente encontrado
Seriam dele de todas as maneiras possíveis...

...Seriam dele por inteiro.

Guilherme Johnston

Queira a vida um dia...

Queira a vida um dia...
Vir descortinar-se completa em mim
Sussurrando ao meu ouvido enfim
Pra quê tantas lágrimas, tanta alegria

Quisera eu poder entender...
Como é possível tamanha beleza?
Pois mesmo na mais dura tristeza
Ela sempre insiste em florescer

Quisera eu poder explicar...
Como pode um povo tão pobre
Que sofre o destino mais nobre
De viver esquecido no frio da pobreza
Fazer do riso sua mais franca riqueza
Não deixando jamais a esperança acabar

Quisera eu poder encontrar...
Um bom motivo para toda injustiça
Não sentir ódio, inveja ou cobiça
Navegar além de toda crueldade
E num mar de singela tranqüilidade
Ver tudo que é mentira naufragar

Quisera eu poder mostrar...
O quão belo e incerto é o futuro adiante
Tornar a felicidade próxima, nunca distante
Mostrando a todos essa dura realidade
De existir, na vida, a definitiva verdade
Ela, a vida, um dia há de acabar
[e temos pouco tempo a perder]

Por fim, quisera eu um dia...
... ver o amor em mim nascer

E permitir-me em teus braços
Desatar tuas fitas, desfazer teus laços
Consumar toda minha poesia

Deixar essa eterna saudade...

... finalmente morrer.

Guilherme Johnston

sábado, 1 de maio de 2010

Última quinta-feira...

Hoje é quinta-feira, treze de janeiro. São duas e quarenta e três da madrugada. Eu deveria estar com sono...

Mas não estou.

A sala é pequena, as paredes são pintadas de cor bege e marrom. Não há nenhum móvel além de uma mesa de metal e uma cadeira, na qual estou sentado. Tem um cara encostado perto da porta, um pouco pra esquerda à minha frente. Na cintura dele uma pistola, não consigo imaginar qual o calibre. Ouço o barulho de passos e vozes no corredor, mas não entendo nada do que dizem. A cada som novo lá fora fico mais e mais nervoso... A porta abre e um homem entra carregando nas mãos algumas pastas... Ele também carrega uma pistola, só que presa sob o braço esquerdo ao invés da cintura. O velcro de segurança está solto. Essa foi a primeira coisa que me chamou a atenção.
Ao mesmo tempo em que joga as pastas sobre a mesa começa a falar comigo rapidamente, como se estivesse com pressa de chegar logo ao final disso tudo. Com o corpo curvado de frente em minha direção, apoiado com as duas mãos sobre a mesa, diz que estou encrencado até o pescoço, que vai ser difícil resolver a situação e que é melhor eu cooperar. Depois de olhar impaciente para mim por alguns segundos, me pergunta como é que fui fazer uma merda dessas... Continuo sem dizer uma palavra, mantendo o olhar fixo no dele. Isso não parece agradá-lo de maneira alguma até onde posso perceber.
O outro encostado perto da porta nos deixa a sós. Ao vê-lo sair notei um sorriso em seu rosto. Procuro em vão descobrir o que teria graça agora. A porta se fecha novamente e a sala fica ainda menor...
Agora somos nós dois. Eu, mudo, e o homem que me contou tudo que ambos já sabíamos. Ele coloca-se totalmente de pé, dá a volta na sala e pára atrás de mim, um pouco para a direita. Pergunta-me mais uma vez sobre minha cooperação. Permaneço em silêncio, assustado demais para dar alguma resposta. Então fala algo sobre confissão, assinar papéis, arrepender-se, compreensão, advogados, corte, julgamento, prisão... Penso em falar alguma coisa, mas minha voz simplesmente parece estar desligada. Sua irritação aumenta e passos começam a ecoar pela sala, frases e gesticulações misturam-se numa cena cada vez mais apavorante... A tensão no ambiente é tão palpável que posso sentir seu peso em toda musculatura. Minha nuca tensiona e tento disfarçar o melhor que posso. Meus lábios se movem. Não posso chorar. Se o fizer estou perdido. De repente um soco na mesa, seguido de um dedo encostando-se a meu rosto. Há quanto tempo estou aqui? Uma hora? Duas? A vida inteira? Com o canto do olho esquerdo vejo um punho cerrado, de pele clara e os nós dos dedos levemente calejados, pendendo para baixo rente a uma perna que não é a minha. A cor da calça é azul marinho e os detalhes da costura, amarelos. Não que isso importe agora... Já nem escuto mais o que me é dito. Só o punho me chama a atenção. Por que esse desgraçado não me deixa ir embora?
Um súbito silêncio interrompe o transe. Percebo dois olhos fixos em mim e me dou conta do que vai acontecer. Não há como evitar isso por mais que eu pense. E parece que sou o único a pensar por aqui no momento. E no mesmo instante em que uma mão me segura pelo colarinho a outra atinge meu maxilar. A dor é grande, porém inferior à raiva que me deixa engasgado. Sinto lágrimas no rosto, os dentes amortecidos e um gosto de sangue na boca. Começo a suar mais do que antes. Minha respiração está ofegante. O coração parece querer explodir. Mesmo assim enxergo a cena toda com uma clareza impressionante. Cada detalhe fica cada vez mais vívido... O segundo soco acerta em cheio algum dente que se desprende por completo com a força do impacto. Já ouvi falar muito sobre espancamentos, torturas e outras coisas do gênero. Mas filmes e documentários não descrevem nem de perto o que é uma experiência desse tipo. O terceiro soco quebra meu nariz. Sempre o achei um pouco grande e sabia que um dia isso me causaria problemas. Pelo que posso entender esse dia chegou. Desesperado tento me proteger um pouco. O que de nada adianta e só piora tudo ainda mais. A cadeira some debaixo de mim e estou no chão. No quinto chute páro de contar. Escondo o rosto com as mãos cruzadas, mas o estômago está completamente descoberto. Quanto mais tento respirar, mais sólido fica o ar à minha volta. Ainda assim percebo o velcro de segurança solto no coldre da pistola...
Duas mãos me levantam pelo colarinho, já bem esgarçado agora. Lembro de quando a empregada lá em casa passava minhas roupas. Nunca me fez muita diferença usar roupa passada ou amassada. Mas sei que a mãe gostava de me ver bem vestido e por isso não criava caso. Escuto alguém falando comigo. Será o mesmo cara que entrou falando e jogando as pastas na mesa? Ou o que estava encostado na parede perto da porta? Minha mão direita se mexe. Meus olhos abrem. Não consigo me lembrar de quando os fechei. Vejo uma expressão de satisfação ou vitória diante de mim. Não sei ao certo. Um homem, ainda me segurando pelo colarinho, começa a dizer algo, mas pára ao encontrar seu olhar com o meu. Eu sorrio e sem que ele perceba movo minha mão rapidamente em direção à pistola. Ele nem percebe quando já está com o cano encostado em seu queixo. Seus lábios tremem. Será que quer dizer algo? Será que vale a pena ouvir? Empurro-o para trás com a arma. Meu rosto está em branco. Não há saída. Não há reviravolta. Não há vitória... O mundo todo parece tão calmo agora. O silêncio tão aconchegante. Ficamos assim, os dois parados, por alguns segundos. Longos segundos. Preciosos segundos.

E puxo o gatilho.

Tenho nove balas no pente. Uma na agulha. O barulho deve ter alertado pelo menos umas vinte pessoas. Metade delas provavelmente armada. Muita gente e pouca bala. Vou até a porta e a deixo encostada, sem trancar. Apóio-me com as costas na parede e aponto para a entrada da sala. Ouço passos vindo pelo corredor, um monte deles... Alguém lá fora grita ordenando que abram a porta...

Respondo calmamente a primeira coisa que me vem à cabeça.

“Pode entrar filho-da-puta...”.

Guilherme Johnston

O Jardim

Há quem note neste jardim
Possuidor das mais belas flores
Imensidão de coruscantes cores
De uma beleza que não vê seu fim

Há quem veja nessa imensidão
De formas e tamanhos diversos
Esse oceano de odores dispersos
Bailar ao vento em suave redenção

Nesse vergel vê-se o Mundo em sua essência
Donde caem sementes de singela dormência
A erguer-se em pétalas de alegria e sofrimento
Germinando em lágrimas seus novos rebentos

Pois a vida ali é de dores e alentos
Flutuando pelo ar como dentes-de-leão
Levando ao longe alegrias e tormentos
Enfeitando a tarde de tristeza e paixão

Nesse jardim suntuoso a brisa corre
Açoitando a tudo com zeloso carinho
Entoando música àquele que morre
Suspirando bom-dia ao que nasce no ninho

Vê-se ao longe o sonoro revoar de amores
Que vêm e vão em crescente velocidade
Alvoroçando-se nas torrentes de saudade
Chamuscando o horizonte com infinitas dores

É assim que o percebo, meu doce jardim
Que não é grande nem pequeno, mas é o que é
Um eterno alvorecer de tudo aquilo que já vivi
O despertar de todas as almas que habitam em mim

Por fim, distantes de tudo, reconheço
O amarelo e vermelho nas planícies, a brincar
Fazendo do Sol um algoz feliz e confesso
Pois me queimam o rosto em deliciosa cumplicidade...

... e eu, impotente em felicidade...

... me ponho a chorar.

Guilherme Johnston

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Esse quê...

Há um quê em mim...

Que chora feliz
E sorri tristemente
De sofrimento e alegria
Solidão e paixão

Há um quê em mim...

Que é de dor e alívio
Uma incerta apatia
Da mais franca alegria
De um infinito pesar

Há um quê em mim...

Que é puro desejo
Uma sina que almejo
Essa intensa agonia
De sofrer e amar

Há um quê em mim...

Que é sempre ausente, vazio
Esse não-ser insistente, arredio
Me empurrando sempre adiante
Em busca de um sonho distante

Há um quê em mim...

Que vive a certeza do dia
E morre na dúvida da noite
Procurando mistério e magia
Encontrando silêncio e açoite

Há um quê em mim...

E não sei explicá-lo direito
Que aperta-me forte o peito
Toda vez que a vejo passar

E ela sorrindo não vê
[a verdade]
Essa coisa me consumindo
Uma imensa saudade...

[...sei lá eu do quê]

Guilherme Johnston